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CARMÉZIA EMILIANO - QUATIS (2014)
Foto: ISABELLA MATHEUS

PINTURA PRÉ-COLOMBIANA/ PRÉ-CABRALINA (SEM INFLUÊNCIAS ATÉ 1492 d.C.)

 

Apesar do isolamento geográfico e com o contato com outras civilizações, no período antes do descobrimento da América, a produção artística feira em pinturas murais, esculpida em pedras ou até mesmo feita sobre madeiras pelos povos Maias, Incas, Astecas e até mesmo os desenhos feitos sobre cerâmica utilitária pela tradição Marajoara e pintura corporal no Brasil, dialogam com a pintura Naïf contemporânea, principalmente por que se sabe que esses povos não tinham contato com o chamado “Mundo Civilizado”, do homem europeu, que se julgava o detentor da cultura evoluída, por tanto os povos da América pré-colombiana, não tinham nenhuma referência de pintura, escultura, arquitetura ou qualquer outra que não fosse à desenvolvida por suas civilizações.

Concordo que a Arte Clássica Europeia atingiu um grau de perfeição extraordinário. Eu vi uma escultura feita no Renascimento, que era de arrepiar, a escultura era em tamanho natural e o artista fez até mesmo as veias no braço da escultura, o que deixava muito real, quase como se uma pessoa retratada tivesse encontrado a medusa e no mesmo instante virasse mármore; sobre a escultura, não me lembro do título e nem o autor, só me lembro que vi na Bienal Canibal, do Parque Ibirapuera em 1998, quando eu tinha 14 anos e que ela foi esculpida por volta de 1500. É incrível saber que na Europa a escultura já havia atingido este grau de realidade ainda na época de cristo, pelos Gregos e Romano, mas provavelmente os povos indígenas não se reconheceriam nas figuras dos deuses Gregos e Romanos, o grau de evolução depende muito do ponto de vista e das referências que temos, não apenas como artista, mas como indivíduos dentro de um contexto social e cultural.

Quando se pesquisa sobre um determinado assunto o primeiro passo é buscar um elo de diálogo com o tema que estamos abordando, no caso da arte pré-colombiana, encontrei referências na pintura como escrita, algo que vamos encontrar em vários períodos da historia da pintura e pelos mais variados povos.

O fragmento de uma ilustração do Códice Bórgia I, fólio 51, biblioteca Apostólica do Vaticano, que foi realizado por volta dos séculos XV ao XVI, é uma verdadeira prova do dialogo. Ela é atribuída aos Mixteques, e são de origem mexicana. A pintura é uma verdadeira Escrita Primitiva, onde mostra deuses, animais sagrados, pessoas sendo sacrificadas e uma estrutura que lembra os templos antigos, mostrando assim uma linguagem universal e atemporal, pois mesmo não sendo da cultura da cultura que realizou a obra e vivendo muitos séculos depois da realização da obra, ainda assim é possível entender o que ela quer dizer.

Nos Andes podemos encontrar toda uma cultura retratada na pintura sobre cerâmica e em tecido, que retratam costumes, vestimentas, animais e figuras de deuses.

Podemos encontrar um diálogo entre todos os povos já citados. As figuras da águia, da onça ou jaguar, da cobra se repetem, e a importância do Sol, classificado até mesmo como deus em todas elas. No Brasil essas figuras aparecem nas pinturas que os índios fazem em seus corpos em rituais de celebração. Toda a pintura representativa dos costumes e cotidiano das culturas pré-colombianas dialogam com a pintura Naïf, pelo colorido, contorno das figuras, soluções originais ao transferir o modelo da realidade para a pintura, a valorização dos mitos e da pintura como forma de escrita são pontos que trazem o universo da pintura pré-colombiana para o mundo da arte Naïf contemporânea.

No caso da arte pré-cabralianas, realizada pelos índios que vivem ou viveram no passado, na região do Brasil é ainda mais complexa, o europeu de hoje olha o Brasil como se fosse uma grande floresta Amazônica, que tem índios e onde as queimadas e a derrubada das florestas são o principal problema, mas através da pesquisa do livro percebi que só em solo nacional temos centenas de tribos indígenas, cada uma diferente da outra, principalmente na cultura e nos costumes, muitas já são extintas e com elas a referencia cultural, pois sabemos que os índios do Brasil não tinham escrita, e a cultura sobrevivia com a tradição oral. É incrível pensar que mesmo pesquisando ainda conhecemos tão pouco da cultura dos índios brasileiros e que, do muito que tinha, pouca coisa sobrou em mais de quinhentos anos de civilização do Brasil.

As culturas pré-colombianas se desenvolveram em várias áreas, na arquitetura, fabricação de tecido, na escultura, no tratamento dos metais e principalmente na cerâmica, que só com esse assunto daria para fazer um livro inteiro. Fiquei surpreso ao constatar que tem muitos produtos das culturas pré-colombianas, mas que ainda é pouco conhecida do público.

No caso do Brasil, um bom exemplo da pintura Naïf influenciadas pelas culturas indígenas nacionais são as obras dos artistas Aécio de Andrade, Camilo Eduardo Tavares, Djanira, Carmézia Emiliano, Lua Ayrè, Lira Marques, Jefferson Funaro, Joari Martins da Silva, Valques Rodrigues, Valdivino Miranda e em alguns trabalhos de Nerival Rodrigues, são alguns nomes de artistas brasileiros que retratam em suas obras os costumes e a estética de influencia indígena, às vezes de forma consciente, ou inconsciente, eles mantém vivas as heranças, mitos e tradições em suas produções.

Não é só no Brasil que isso ocorre, no México, em alguns trabalhos de Alonso Cabrera, no Equador em algumas obras de Millin Galli e Juan Francisco, são apenas alguns exemplos de artistas Naïfs, que sofrem influencias das culturas pré-colombianas de suas regiões, quer no colorido, nos costumes e mitos, quer na mistura das antigas culturas indígenas com as de origem europeias.

A artista Carmézia Emiliano, que é índia, ao ser questionada sobre o porquê ela começou a se interessar por arte? Ela respondeu:

 

"Para não acabar a cultura indígena, e o caminho foi a pintura".

 

Isso expressa bem a importância e a responsabilidade que a arte Naïf tem para a cultura brasileira.

 

 

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