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BIOGRAFIAS DE ARTISTAS NAÏFS DO BRASIL 2

Ivonaldo Veloso de Melo (1943 - )

 

O casal Orlando Moraes de Melo e Ester Veloso de Melo tiveram 14 filhos, entre eles um artista. Ivonaldo Veloso de Melo nasceu na cidade de Caruaru, estado de Pernambuco, no dia 25 de outubro de 1943. Caruaru mantém um importante centro comercial que resplandece no coração da região mais árida do Sertão Nordestino, que ocupa 18% do território nacional, é uma região de vida dura, os nordestinos tem por tradição fazer compras na tradicional Feira de Caruaru, onde se encontram produtos básicos da agricultura local, artigos típicos, artesanato regional e pela feira desfilam os tipos populares do nordeste. Quando criança Ivonaldo trabalhou como vendedor ambulante na feira semanal de Caruaru, ele vendia cocadas que sua mãe fazia, colhendo imagens que ficariam marcadas em sua memória e que mais tarde retrataria nas telas de pintura.

Na Feira de Caruaru, que acontecia nas quartas e nos domingos, onde se comercializava entre móveis de segunda mão, rendas, frutas, flores, animais de criação, sapatos artesanais, etc. É onde se misturavam os moradores do sertão, que vinham no lombo de jumentos e a população da Zona da Mata, uma região mais fértil, perto do mar que ainda tem a vizita da chuva com mais freqüência. É na Feira de Caruarú que o jovem Ivonaldo viu surgir na década de 1940, a conhecida Feira do Barro de Mestre Vitalino com seus pequenos personagens de cerâmica figurativa que retratavam os moradores simples da região e que, junto com a Feira de Caruaru, ficariam muito famosas nos anos seguntes. As figuras retratavam mulheres fazendo renda, retirantes abandonando as regiões da seca, mulheres cozinhando e carregando potes de água, e tudo quanto era imagem do cotidiano do morador nordestino, tudo isso era uma rica fonte de inspiração que Ivonaldo guardaria na memória.

Na primeira infância as memórias eram da luta pela sobrevivência na seca, que tinha impacto direto na vida urbana, e nas conversas animadas onde os moradores se sentavam nas soleiras das portas para conversar com os vizinhos e contar as histórias do antigo e temido cangaceiro Lampião, que povoava a imaginação do jovem Ivonaldo. Notícias da guerra e do mundo só chegavam pelo rádio, o mundo exterior era abstrato, todas as atenções eram para luta pela sobrevivência diária. As festas populares como as dedicadas a Santo Antônio, São João e São Pedro, que no Brasil chamamos de Festas Juninas, por que acontecem no mês de junho, mês em que se colhe o milho, que é a base da culinária das festas juninas, são tradicionais no nordeste brasileiro, e são outras ricas referências culturais da infância de Ivonaldo.

O jovem Ivonaldo conseguiu estudar sem deixar de ajudar a família, mas a década de 1950 estava começando, o período da seca era cada vez mais longo e a vida cada vez mais difícil, isso fez com que o pai do artista fosse para São Paulo em 1954, sem ter contato com ninguém, não tinha um local fixo para morar e nem garantia de trabalho. Na primeira migração ele não conseguiu emprego e retornou para casa, para novamente tentar no ano seguinte.

Em 1955, a família tentou se mudar para São Paulo, em oito dias de viagem, o pai não conseguiu trabalho, mas ficou na grande metrópole com os filhos mais velhos, a mãe retornou para Caruaru com os filhos mais novos, entre os filhos que ficaram com o pai estava Ivonaldo, então com onze anos, pois tinha conseguido um trabalho de ajudante numa farmácia da Vila Mariana.

A Drogaria Paraíso era de uma família de origem italiana, eram de Ferreira de Leone, que muito apoiou o jovem que entregava remédios a domicílio, reconhecendo nele o próprio caminho trilhado pela família nos primeiros anos de imigração no Brasil. Aos 15 anos de idade Ivonaldo tardiamente concluiu o curso primário no Grupo Escolar Marechal Floriano, uma instituição pública, mas ele sempre foi batalhador e olhava para o futuro com esperança de melhora de vida. Ele morava junto com os patrões na parte de cima da farmácia, como era constume na época, lá ele viu televisão pela primeira vez, e nem sabia que o aparelho existia, era parte da família, mas o coração era cheio de saudade da mãe e dos irmãos que voltaram para Caruarú. Aos domingos o jovem vizitava o Parque Ibirapuera, as Bienais que periodicamente aconteciam no prédio da Bienal e vizitava também o anexo, o Museu de Arte Moderna de São Paulo, lá teve seus primeiros contatos com o que era produzido artisticamente na época, e se identificou com a obra do pintor brasileiro Cândido Portinari (1903 - 1962), os quadros de questionamentos sociais e da relação do trabalho com a luta de classes se identificavam com a vida de Ivonaldo e nele começou a despertar um sentimento e uma inquietação, principalmente se poderia fazer algo como aquela pintura, pois nas horas vagas gostava de desenhar em seu quarto.

Logo o pai de Ivonaldo conseguiu trabalho de transportar veículos um a um de São Paulo para o Nordeste e foi buscar o filho para voltar ao nosdeste com ele, a família italiana não queria se despedir do jovem ajudante, pois ele já era parte da família, mas o coração de Ivonaldo estava cheio de saudade da mãe e dos irmãos, porém deixar o trabalho na farmácia seria dizer adeus a televisão, aos passeios no Ibirapuera e ao Portinari, mas optou por voltar com o pai.

Em Caruaru conseguiu trabalho como vendedor de frios e manteiga num depósito, ficou trabalhando por dois anos, se matriculou no curso ginasial de Caruaru, onde teve boas notas nos cursos, principalmente nas matérias ligadas a arte. Ele também se diplomou ainda em datilografia, que na época era fundamental no trabalho em escritório.

Em 1962, ajudado pelo tio Joaquim Vieira de Melo, conseguiu comprar uma passagem de avião para que Ivonaldo, então com 18 anos, voltasse para São Paulo, junto com as irmãs Ivanilda, com 21 anos e Ivoleide com 16 anos. O restante da família iria se mudar para São Paulo no ano seguinte.

Em São Paulo ele conseguiu trabalho na loja de discos Imperial do Brasil, onde teve contato com música de todo tipo, das Clássicas a Bossa Nova. Nesse período consegue um teste para trabalhar na agência do extinto Banco Noroeste do Estado de São Paulo, foi aprovado para trabalhar na agência do Brás, no cargo de escriturário, na seção de datilógrafo de cobrança, pela primeira vez teve a carteira assinada, estabilidade no emprego, vários benefícios e descanço aos sábados e domingos. No período noturno continuava a estudar para completar o ginasial e o terceiro e quarto anos, estudava no bairro do Bosque da Saúde, longe do trabalho. Ele estava só em São Paulo, com saudade da família, mas era sempre atento a tudo que o rodeava.

Em 1965, comprou seus primeiros materiais de pintura, uma tela, tintas e óleo de linhaça, pediu instrução ao vendedor e pintou seu primeiro quadro Pavão Azul em noite Azul. Sem a noção das técnicas, para clarear o plano de fundo ele foi aplicando o óleo de linhaça, que na realidade tem a função de diluir a tinta a base de óleo, o resultado foi um fundo desbotado que demorou meses para secar, ele tinha dado finalmente seus primeiros passos na sua longa jornada da arte Naïf. Logo ele conheceu o grupo de Solano Trindade (1920 - 1974) teatrologo e poeta, e começou a participar do grupo, apenas como aprendiz de ator. Nos espaços onde o grupo ensaiava tinha muitos quadros e era freqüentado por vários artistas e produtores culturais, até que um dia ele conheceu uma figura marcante, uma mulher linda, tímida que assistia a tudo. Sempre observadora, estava usando turbante amarelo, era a querida artista Maria Auxiliadora Silva (1935 - 1974). Ele levou seus primeiros quadros para que Solano Trindade olhasse e se tornou amigo de Maria Auxiliadora. Solano aconselhou que fizesse parte do grupo que participava das exposições aos domingos na Praça da República, onde conseguiam fazer suas primeiras vendas. Ivonaldo começou a participar das exposições na Praça da República no ano de 1968, confraternizando com os artsitas da praça. É nesse período, que os artistas que buscavam um espaço de expressão no chão público, ignorados por críticos e colecionadores requintados, surgia no chão da Praça da República um celeiro do que hoje conhecemos como os maiores artistas Naïfs da história cultural do Brasil.

Para Ivonaldo a primeira experiência positiva aconteceu em maio de 1968, quando vendeu sua primeira obra, A Vendedora de Bonecas, que seria um presente de aniversário de casamento, o comprador pagou C$40,00, quase o pagamento de um mês de trabalho no banco e isso incentivou muito o artista a continuar seu desenvolvimento artístico. No mesmo ano saiu do banco, onde não recebia o apoio dos seus superiores, que constantemente faziam piadas do jovem artista por expor na Praça da República aos domingos.

Agora com o tempo livre ele fazia pesquisas na biblioteca Mário de Andrade, tentando conhecer melhor as figuras que pintava principalmente os cangaceiros, Antônio Conselheiro, Padre Cícero e outras figuras e temas ligados a cultura popular nordestina. Ivonaldo frequentava também o MASP (Museu de Arte de São Paulo), que ficava próximo, ainda no endereço da rua Sete de Abril. Aos poucos a Praça da Repúblia atraia outro tipo de vendedor, os ambulantes, que vinham atraídos pelos turistas estrangeiros, a possibilidade de boas vendas atraia outos artistas, mas os ambulantes descaracterizavam a atimosfera da Praça e não tardaria muito para surgir barracas com lugares marcados, o que na realidade acabou acontecendo ao longo do tempo e como ela ficou hoje.

No mesmo ano Ivonaldo recebeu do pintor Paulo Chaves um convite para participar de uma exposição na Galeria KLM, onde Paulo era curador. Foi a primeira exposição numa galeria de arte, expondo ao lado de grandes artistas, Ivonaldo, Mari Auxiliadora, Izabel dos Santos e Paulo Wladimir, quatro artistas com quatro obras de cada um. Uma das obras exposta na galeria com o título de Pau de Arara do Caruarense foi vendido para Iracema Arditi, grande artista Naïf que estava formando o acervo do futuro Museu do Sol em São Paulo, que seria inaugurado na década seguinte. A exposição foi um sucesso e os artistas deram até entrevista a jornalista Vida Alves, de um programa da televisão. Logo surgiram novos convites, ele expôs na galeria da USIS, a convite de Allan Fisher, na abertura da exposição foram reunidos para confraternizar os artistas do movimento da Praça da República, entre eles Maria Auxiliadora, Ovídio Mello, Paulo Wladimir e Crisaldo Moraes.

Até aquele momento as pinturas de Ivonaldo eram caracterizadas pelas cores quentes e de temática ligada ao nordeste brasileiro, mas com o convívio com outros artistas iria influênciar uma evolução natural da obra do artista, ele queria criar uma pintura com o estilo só dele, mas que dialogasse com a obra de outros artistas. Nos anos de 1970, seus trabalhos passam a ter cores mais verdes e os personagens são contornados por grossos traços pretos.

Na década de 1970, muitas galerias abrem espaço para os artistas Naïfs da Praça da Repúblia e novas galerias são abertas para essa nova produção, como é o caso da Galeria Primitiva. Ainda na mesma década participa de uma coletiva na Galeria Zimmer em Dusseldorf, Alemanha realizada em 1971. No mesmo ano participa da Mostra Coletiva de Arte Naïf promovida pelo representante da embaixada Allan Fisher, na cidade de Washington, capital dos Estados Unidos. Em 1972, Iracema Arditi promove uma exposição individual de Ivonaldo no Museu do Sol em São Paulo. Iracema consegue uma passagem para Ivonaldo ir para a Europa em troca de algumas obras e inicia o período da carreira internacional.

Em junho de 1973 Ivonaldo chega a cidade de Paris, sem falar francês e sem nenhuma referência, apenas o livro de Arte Naïf escrito por Anatole Jakovsky. O escritor do livro Ivonaldo conheceu pessoalmente e estava participando do livro com uma obra. No mesmo ano participa da Feira de Dusseldorf, Alemanha. Em 1974, promove uma exposição individual na galeria Debret, em Paris, com vendas positivas para se manter na Europa. No mesmo ano, com saudade de sua família, retorna ao Brasil, continua morando em São Paulo e viaja periodicamente para Caruaru para rever as cores locais.

Em 1976, vai para a cidade de Utrecht, na Holanda, mora algum tempo na cidade, ajudado por apoiadores consegue vender toda a produção feita no período. Em 1977, participa do encontro TABOR, na Ex Iugoslávia, era um evento patrocindo pelo governo iugoslavo para promover um intercâmbio cultural entre vários países do mundo, o resultado foi tão bom que voltou a participar nos dois anos seguintes como convidado especial. Em 1979, retorna ao Brasil, conhece o galerista Jacques Ardies, promove exposições na galeria Ardies, que passa a representar o artista no Brasil e no Exterior, promovendo ainda exposições individuais trienais.

Ivonaldo permaneceu morando na cidade de São Paulo até o ano de 1985, quando se muda em definitivo para a cidade de Olinda, Prenambuco, onde vive até hoje, sem nunca deixar de participar de exposições de arte Naïf, como as Bienais Naïfs do Brasil, promovidas pelo SESC Piracicaba, onde ele participou em 2000, como convidado especial, em 2002, na sala especial mestres de ontem e de hoje. Nas obras de Ivonaldo podemos ver como os temas eram ecléticos, indo da Feira de Caruaru a motivos de interior, como o metrô, interior de alfaiataria, até bois no pasto, vendedores de frutas, pessoas andando de bicicleta, carnaval e bailes. A obra de Ivonaldo é uma festa para os olhos e um orgulho para o Brasil.

 

Ranchinho (1923 - 2003)

 

Sebastião Theodoro Paulino da Silva nasceu na madrugada de 07 de Janeiro de 1923 numa fazenda da antiga região de Paraguaçu Paulista, interior do estado de São Paulo, era filho de Zé Paulino e de Maria Flauzina, dois bóias frias, que mudaram para a região do interior paulista por volta de 1915.

Durante a primeira infância Sebastião se desenvolveu com muita dificuldade para andar, falar e ouvir, por causa dessas dificuldades frequêntou pouco tempo a escola, que na época não eram preparadas para receber alunos portadores de necessidades especiais. Em 1926, ao fazer uma queimada para limpar o solo para a futura plantação, o pai de Sebastião foi atingido por uma árvore em chamas, vindo a falecer alguns dias depois, sua esposa então muda com os filhos para a cidadede de Assis, onde começou a lavar roupas para sustentar a família, logo os filhos mais velhos começaram a fazer pequenas tarefas para ajudar no sustento da família, saiam para vender frutas, cortavam lenha, cortavam a grama de jardins domésticos. Logo Sebastião começou a buscar lenha para ajudar a mãe e nas horas vagas desenhava em papeis de segunda mão.

O jovem Sebastião tentava ajudar a mãe de toda forma, mas não sabia lidar com dinheiro, alguns depoimentos dizem que ao vender uma cesta com frutas o jovem saiu pela cidade, e de tanto fazer troco acabou ficando sem o dinheiro e deu a cesta como troco, voltando para casa sem dinheiro, sem fruta e sem a cesta.

Logo o destino iria tirar mais uma pessoa importante na formação do jovem Sebastião. O irmão mais velho do artista ajudava no sustento da família, consertava relógios durante o dia e tocava acordeom num baile de noite, mas em 1945, falece vítima de doença venéria. Para ajudar a família Sebastião vai trabalhar como moedor da máquina de cana, vendendo caldo de cana, conhecido também como “grapa”, na frente do cinema de Assis. Em 1949, Sebastião perde sua mãe, que falece numa manhã, vitima de infarto fuminante, muito abalado, Sebastião vai morar na vizinha cidade de Palmital, mas não se adaptou, ficando sem moradia fixa. Ele trabalha de ajudante nas fazendas e atuando em trabalhos esporádicos na cidade de Assis, mas o mundo em que ele vivia era hostil, as pessoas não se relacionavam bem com ele, pois pensavam que ele não conseguia compreender o que falavam, aos poucos foram parando de falar com ele. Sebastião consegue uma moradia e proteção na casa de João Romeiro, com quem trabalhava na máquina de moer cana e passou a morar na casa dos fundos de seu protetor, que também levou Sebastião para a primeira viagem de trem, algo que ele iria retratar em diversas futuras obras.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Em 1954, João Romeiro, também conhecido como João Grapeiro, vem a falecer, foi uma grande perda para Sebastião. Seus irmãos estavam espalhados pelo interior do estado de São Paulo e alguns parentes já eram falecidos, estava novamente sozinho no mundo.

Sebastião volta a fazer pequenos trabalhos esporádicos, como lipar quintais, cortar grama, cortar lenha, cuidar de animais no pasto, tirar água de poço, com essa renda esporádica se alimentava mal e pouco, para ganhar algum dinheiro juntava vidros, garrafas, latas e jornais velhos, que vendia posteriormente. Durante a noite dormia em ranchos abandonados aos arredores de Assis, por isso ficou conhecido entre os moradores da cidade como ranchinho.

Em 1960, Victor Oliveira Faria, dono de uma granja abandonada, ofereceu uma casa de taipa para o artista morar, sem cobrar nada, que era utilizado como deposito de ração para galinhas. A casa era precária, entrava vento e chuva, o chão era de terra batida. Ajudados pelos Vizinhos Zuza (José Alves da Silva) e Wilmar Nogueira, conseguiram reformar a casinha que ficou mais confortável. Em 1967, a pequena casa que Sebastião havia transformado em lar, pega fogo. Durante a noite Sebastião se assusta com a um sapo dentro de seu quarto, ele joga o cobertor que encosta na lamparina de querozene, que cai no chão espalhando as chamas, consumindo em poucos minutos a casa de Sebastião, novamente ele está desabrigado.

Sebastião vai morar na casa do irmão Antônio e da esposa Isaura, ele fica dormindo no quarto das crianças, que passaram a dormir na sala, mas a casa era pequena. Na ocasião o Clube Recreativo de Assis onde o casal trabalhava estava construindo uma fonte, ao terminar sobrou algum material, que o casal conseguiu para erguer um novo quarto nos fundos do quintal, logo os vizinhos, amigos e parentes doaram materiais para a construção da então pequena casa. Morando ao lado da família do irmão, começou a se alimentar melhor e a ter uma vida social, convivendo com a rotina da família e passando a frequentar as missas na igreja matriz de Assis, parou de recolher materiais pelas ruas de Assis e durante a noite continava a desenhar.

Desde 1950, Sebastião andava com uma caderneta fazendo rascunhos de acontecimentos na cidade de Assis, quando encontrava algo que despertava sua atenção ele logo desenhava para não se esquecer, e logo tinha vários rascunhos.

Em 1967, Sebastião conhece o corretor de imóveis, José Nazareno Mimessi, que conhecia história do movimento de arte Naïf na Praça da República e a história de muitos artistas, que na época eram chamados de Primitivos, foi ele que incentivou Sebastião a pintar os acontecimentos em telas. Quatro anos depois José inscreveu a obra de Sebastião na Primeira Exposição de Artes Plásticas de Assis. O artista estreante ganhou prêmio de Menção Honrosa e incentivo para continuar a pintar, agora ele era ainda mais famoso e conhecido entre as pessoas como Ranchinho o pintor.

Em 1977, Ranchinho promove sua primeira exposição individual, com 71 obras, que foram todas vendidas. Sua produção retratava o cotidiano da cidade, em imagens retratando Engenhos de Cana, tocadores de viola, carros de boi, trabalhadores no campo, mulheres lavando roupa ou cozinhando no fogão a lenha, tudo muito colorido e rústico. As pinturas de Ranchinho não param apenas nos temas tradicionais, eles passam por cenas de Assis com o Parque de Diverções, o cinema passando filmes de Mazzaropi, retratos de pessoas próximas, a igreja Matriz de Assis, amolador de tesoura e facas, trem cortando os campos.

Com o reconhecimento do valor artístico de suas obras, também chegou a cidadania, pois ele até então não tinha documentos básicos. Em novembro de 1977, com a ajuda de amigos e familiares, conseguiu tirar documentos como RG (Registro Geral), CPF (Cadastro de Pessoa Física), INPS (Registro no Instituto Nacional da Previdência Social) e Título Eleitoral. Ranchinho continuava analfabeto, não sabia escrever o próprio nome.

Inicialmente suas obras eram marcadas com o polegar direito pintado de preto e marcado no verso de cada obra. Posteriormente a família tentou ensinar a escrever seu primeiro nome, Sebastião, mas ele trocava as letras, ele então percebeu que Sebastião era um nome comum e poderia ter muitos artistas com o mesmo nome, já o nome de Ranchinho era o único. Passou então a assinar como Ranchinho seguido pelo ano que pintou a obra.

Logo o irmão e a esposa faleceram e o filho do casal, Juvenal e sua esposa Dilma, passaram a cuidar de Ranchinho, o sobrinho passou a dar títulos aos quadros de Rachinho, sempre respeitando a vontade do artista.

Em 1992, participa da Mostra de Arte Ingênua e Primitiva, futura Bienal Naïfs do Brasil, com duas obras, Forno de Quintal e Passeio no Carro de Boi.

Em 1994, devido à contribuição cultural que Ranchinho dedicou ao município, ele ganha o título de Cidadão Assisense. Em 1999, participa na exposição coletiva na Pinacoteca do Estado de São Paulo. Em 2000, participa como convidado da Mostra do Redescobrimento, evento que selecionou o que foi produzido de melhor na Arte Brasileira até aquele momento. Em 1998, participa da Bienal Naïfs do Brasil, em Piracicaba, conquista um prêmio inédito em sua carreira, o Prêmio Aquisição com a obra Passando a Carpideira.

Logo Ranchinho passou a expor fora de Assis e ficando mais famoso, usas obras foram compradas por colecionadores, até mesmo fora do Brasil, mas apesar disso levava uma vida bem simples, frequentava a igreja duas vezes por dia e pintava durante a noite. Em 2002, participa como selecionado da Bienal Naïfs do Brasil com a obra A Chuva.

Ranchinho pintou até os últimos dias de vida. Ele faleceu aos 80 anos, no dia 02 de Fevereiro de 2003, no Hospital Regional de Assis, vítima de pneumonia e cardiopatia, que aconteceu após um derrame (Acidente Vascular Cerebral). O velório aconteceu na Catedral de Assis, onde ele participou de várias missas, casamentos, batizados e velórios. Após a morte do artista muitas foram as homenagens.

Em 2003, outro artista Naïf, Waldomiro de Deus, faz uma homenagem a Ranchinho, pintado o retrato do artsita, sentado na beira de um rio recolhendo peixes. A pintura foi feita na parede do Museu de Arte Primitiva de Assis José Nazareno Mimesi.

Em 2004, recebe uma homenagem póstuma, com a participação de suas obras na Bienal Naïfs do Brasil, na sala especial Mostra Mistura Fina com duas obras de sua autoria, Cerca Branca e Domadora.

Sua obra e sua biografia são exemplos do poder transformador da arte como instrumento de inclusão social, ele nos deixou de legado um rico trabalho com fortes pinceladas, onde podemos admirar a vida rústica do campo, num olhar mais puro de dentro para fora, com a sinceridade que todos artistas Naïfs tem.

 

 

RANCHINHO - MARIA FUMAÇA (1981)

ORIGEM: http://artepopularbrasil.blogspot.com.br/2012/10/ranchinho.html

IRACEMA ARDITI - LES REINES DE LA TERRE  -  (1989)

ORIGEM: http://www.museunaif.com/a/mian-naif-uma-viagem-na-alma-brasileira/

Iracema Arditi (1924 - 2006)

 

Iracema Rufollo Arditi nasceu em São Paulo, em 1924, passou sua infância e juventude na cidade do Rio de Janeiro, trabalhou em várias funções como secretária, jornalista e aeromoça. A carreira de artista começa a partir de 1950, produzindo suas obras de maneira autodidata, desenvolvendo novas técnicas e coloridos inovadores. Em 1954, participa do Salão de Artes Baiano, em Salvador. O sucesso seria conquistado rápido na década seguinte, ao fazer sua primeira exposição individual na Casa da Cultura Francesa, São Paulo, no ano de 1965. Desta exposição partiu o convite para participar da exposição na Galeria Herbinet, em Paris, que é promovida no mesmo ano.

Em 1967, foi eleita Membro Societário e júri no Salão de Outono, em París, no mesmo ano, começa a colecionar obras de outros artistas Naïfs, principalmente os brasileiros. Nos anos de 1960 até meados da década de 1970, promove várias exposições na França, com destaque para as promovidas em París, Laval e Lyon, rapidamente ela se torna o nome mais conhecido da pintura Naïf brasileira na Europa. É adimirada pelos principais colecionadores e curadores de museus do velho continente.

Apaixonada pelo movimento de arte Naïf nacional, que estava acontecendo na Praça da República, em São Paulo, ela reúne obras dos principais artistas do movimento, junto com as obras de outros artistas que tinha conseguido na Europa na década de 1960. Em 1972, fundou o Museu do Sol, um museu dedicado a arte Naïf, instalado na cidade de São Paulo. Foi o primeiro museu dedicado a arte Naïf na América Latina. Em 1978, doa todo o acervo permanente, contendo 298 obras, reunidas ao longo de quase duas décadas, para a cidade de Penápolis, no Noroeste paulista, que reabre o museu do Sol no município em 1980, onde está até hoje. Paralelamente promove exposições individuais e coletivas pelo Brasil e no exterior, foi uma grande colaboradora para divulgar a produção nacional e ajudar os artistas a projetar seus trabalhos no exterior.

Durante a década de 1980, participa de várias exposições, pincipalmente no Brasil e na França. Em 1985, a França homenageia a artista com a Cruz de Chevalier des Arts et des Lettres.

Na década de 1990, o Brasil se aproxima mais da França com vários acordos comerciais e ações culturais paralelas. Em 1996, por ocasião da viagem do Presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso à França, é promovida uma exposição da artista no Liceu Edouard Herriot, Lyon, França. Posteriormente em 1997, promove uma individual na galeria do Banco Central, São Paulo, Brasil. Em 1998, participa de duas exposições coletivas: Futebol na Arte, na galeria André, São Paulo, e Cinco Expressões da Arte Brasileira, na galeria do Banco Central, São Paulo.

O trabalho de Iracema Arditi é único, ela trabalhou ao longo de sua carreira com os temas das paisagens exóticas do Brasil, tingidas por cores verde e amarelos muito brilhantes, que eram as marcas da artista. Na quarta edição da Bienal Naïfs do Brasil, ocorrida em 1998 na cidade de Piracicaba, interior de São Paulo, recebe uma justa homenagem com uma Sala Especial Iracema Arditi. Em 1999, recebe outra justa homenagem, com a Sala Especial Iracema Arditi, só que dessa vez foi na Bienal de Arte Naïf, promovida na cidade de Laval, França.

Em 2000, recebe medalha de honra na Bienal de Arte Naïfs, Laval França.

Sua obra, conquistou vários admiradores, entre eles se destaca o nome do escritor brasileiro Jorge Amado, que descreveu a artista como: “A artista que pinta sonhos estando acordada, valorizando uma natureza brasileira ainda intocada, pura, que muito bem representa o Brasil mundo a fora”. Sobre seu falecimento só posso dizer que faleceu no ano de 2006.

ANTONIO POTEIRO - LAVADEIRAS - (1989)

ORIGEM: http://www.museunaif.com/a/mian-naif-uma-viagem-na-alma-brasileira/

Antonio Poteiro (1925 - 2010)

 

Antonio Baptista de Souza nasceu em 1925 na cidade portuguesa de Santa Cristina de Poussa. Migrou para o Brasil ainda pequeno com os pais, viveu no estado de São Paulo e de Minas Gerais. Quando jovem saiu de casa e passou a viver de forma quase nômade, vivendo por volta de quase dois anos entre índios Carajás, na ilha do Bananal, por fim, acabou se instalando na cidade de Goiânia, estado de Goiás.

Em Goiânia, passou a trabalhar com a profissão que seu pai havia ensinado quando criança, a trabalhar como oleiro, fabricando potes de barro, de onde vem seu nome artístico, Antônio Poteiro. Começou sua carreira em 1963, ainda como ceramista, tendo logo o reconhecimento de seu valor artístico. Na mesma década passou a fazer potes de barro cobertos por personagens figurativos, que muito chamavam a atenção e logo começaram a se tornar referência na localidade.

A figura de Antônio Poteiro também é algo marcante, pois quando começou a se apresentar como artista deixou crescer a barba e que com o tempo começou a ficar branca, outra marca do artista.

A pintura surge a partir de 1973, incentivado pelo Siron Franco. Indo levar suas figuras de barro cozido para o colorido das telas, sendo um caso raro, pois os mesmos traços dos personagens de barro podem ser reconhecidos nas figuras da pintura em tela. Seus temas eram ligados ao folclore local, como as cavalhadas, anjos, santos, cenas bíblicas e figuras de animais e índios, muitos comparam as pintura de Poteiro com as antigas Iluminuras medievais, pela narrativa e colorido das obras.

Em 1974, participa da I Bienal Internacional de Arte Naïf, na cidade de Como, Itália, fazendo um grande sucesso com a sua produção. Em 1978, participa da I Bienal Latino Amenricana de Arte, São Paulo, Brasil. Em 1980, participa da IV Bienal Internacional de Arte Naïf, promovida na Feira de Lombardia, Itália. Participa de duas Bienais Internacionais de São Paulo, nos anos de 1981 e 1991. Em 1987, ganha o prêmio de Mensão Honrosa na categoria de escultura, oferecida pela I Bienal Internacional de Obidos, Portugal.

Suas obras participaram de exposições ao redor do mundo, e foram promovidas ao longo de sua carreira inúmeras exposições individuais no Brasil e no exterior.

Em 1992, participa da Mostra Internacional de Arte Ingênua e Primitiva, futura Bienal Naïfs do Brasil, em Piracicaba, como Escultor e Pintor. Participa como convidado especial na Bienal Naïfs do Brasil, em Piracicaba, no ano de 1994. Participa da Bienal Naïfs do Brasil de 1996, na Sala Especial Antonio Poteiro, uma justa homenagem, exatamente no ano em que a arte Naïf marcava presença no município de Piracicaba há uma década. A Bienal daquele ano tinha um gostinho de comemoração.

Poteiro é novamete homenageado na Bienal Naïfs do Brasil de 2002, com a participação de duas pinturas na Sala Especial Mestres de Ontem e de Hoje.

O MIAN (Museu Internacional de Arte Naïf do Brasil), no Rio de Janeiro, mantém em seu acervo permanente, algumas obras do artista, tanto a cerâmica como a pintura.

Antonio Poteiro falece aos 84 anos, no dia 8 de junho de 2010. O artista estava internado lutando contra um câncer, faleceu de parada cardiorespiratória, na madrugada do dia 8. Foi sepultado na cidade de Goiânia, Goiás.

CARMELA PEREIRA - Procissão de São Benedito em Piracicaba (DÉCADA DE 1990)

ORIGEM: ACERVO SEM PAREDE

Carmela Pereira (1936 - )

 

Carmela Pereira nasceu no dia 28 de Abril de 1936 na cidade de Piracicaba, interior de São Paulo. Artista autodidata, Naïf da Pintura e da Cerâmica Figurativa, Artesã e Escritora. Eu conheci a artista na 11ª Bienal de Naïfs do Brasil em Piracicaba, onde a artista vive, desde então visitei seu ateliê, na cidade e mantivemos contato. Dona Carmela nasceu em Piracicaba, numa casinha de sapé, era de uma família de lavradores. Na primeira infância viveu na presença dos pais e dos avós, que é tema de muitas obras da artista. Ainda na infância perde os pais e é matriculada numa Escola de Freiras, chamado de Asilo de Órfãs Coração de Maria, foi lá que com nove anos ela ganhou seu pimeiro prêmio com um desenho, que foi um saquinho de balas. Hoje o mesmo se chama Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe, localizado na rua da Boa Morte, 1955, Centro de Piracicaba.

A artista lembra que quando era criança queria sair na procissão vestida de anjo, mas as irmãs não deixavam, ela questionava o por que? E as irmãs diziam, que no céu não tinha anjo negro, essa história iria infuênciar anos mais tarde a artista, que pintaria a obra Anjos negros no Altar de Nossa Senhora, que está no acervo da própria artista. A artista não guarda mágoa das irmãs e diz que tudo o que ela é hoje deve ao antigo colégio.

Durante 36 anos a artista trabalhou como empregada doméstica, depois que se aposentou começou a se dedicou mais regularidade na profissão de artista na pintura Naïf, na cerâmica figurativa, produção da artista que é pouco conhecida, e de escritora. Não é por acaso que eu selecionei Dona Carmela para ser incluída ao projeto do livro, pois ela participou de todas as Bienais de Naïfs promovidas pelo SESC Piracicaba, até aquele momento. Apesar da cidade de Piracicaba ser a capital da arte Naïfs de dois em dois anos, a cidade não tem muitos artistas Naïf. Sendo assim, Dona Carmela Pereira é a maior referência que a cidade tem, quando se fala de arte Naïf. Ela retrata em suas obras o Rio Piracicaba, a casa do Povoador, a rua do Porto, nas Margens do Piracicaba com barquinhos de pescadores, a casa de máquinas, o Engenho Central, as plantações de Cana de Açúcar com seus trabalhadores, mas a produção da artista não fica só nisso, ela traduz na tela a alegria das festas afrobrasileiras, as procissões religiosas, o folclore nacional e regional. Seus personagens conseguem transparecer até mesmo o estado de espírito, como espanto, tristeza, alegria, desejo, exaltação e dor. Algumas de suas obras têm um poder imaginativo enorme, onde ela relata o preconceito que sofre por ser negra.

Ela me relatou que certa vez, quando deixou a suas obras para serem vendidas numa galeria em Piracicaba, a vendedora estava vendendo como se ela fosse uma artista Italiana, ao visitar a loja, ela disse que Carmela Pereira, não era italiana, era negra e vivia em Piracicaba, depois desse episódio a artista teve que retirar as obras da galeria. É revoltante, mas muitos artistas naïfs pelo Brasil podem se reconhecer nessa história, ou passaram por algo semelhante.

Hoje posso dizer que apenas o fato de incluir e dar voz a essa grande artista naïf, torna o livro ainda mais importante, pois ela passa suas experiências profissionais e de vida, pois quando se fala de preconceito racial, parece que é algo de cem anos atrás, que isso não existe no século XXI, mas os relatos de muitos artistas provam o contrário.

ESQUERDA PARA DIREITA: APARECIDO J. K., ENZO FERRARA, NERIVAL RODRIGUES, RICARDO AMADASI E MESTRE JERÔNIMO.

LOCAL: MAP - MUSEU DE ARTE POPULAR DE DIADEMA - SP.

 

Mestre Jerônimo (1935 - )

 

Mestre Jerônimo é um artista que conheço pessoalmente, e que muito admiro, tanto a pessoa como o artista, muito simples, simpático, tem um bom diálogo com outros artistas da região do ABCD Paulista. Eu conheci Mestre Jerônimo no MAP (Museu de Arte Popular de Diadema), que mantém em seu acervo permanente várias obras do mestre, cidade onde ele mora atualmente. Como, ao decorrer do livro eu considerei novos suportes como arte Naïf, como por exemplo a cerâmica figurativa e da xilogravura, obrigatóriamente teria que colocar a biografia de um grande representante da xilogravura, e Mestre Jerônimo foi o escolhido.

Gerônimo Francisco Soares nasceu em Esperança, estado de Pernanbuco, em 1935. Cresceu numa região seca, onde se produzia a poesia da palavra, impresa nos tradicionais folhetos de cordeu. Filho de um grande poeta do cordel, José Soares, Jerônimo herdou o gosto pela arte. Quando jovem aprendeu a tocar sanfôna, mas é na produção das imagens de cordel que ele melhor se expressou e conquistou o reconhecimento de seu valor cultural. A xilogravura é vinculada a literatura de cordel, e entrou na vida do artista aos 12 anos, na cidade de Recife.

Mestre Jerônimo é conhecido como um mestre da xilogravura, seus traços pontilhados e o sol estilizado, a forte presença de crianças e a variação temática, indo do universo fantástico da literatura de cordel, com imagens ligadas a cultura tradicional nordestina, indo até temas contemporâneos, como passeio nas favelas e a vida urbana, são marcas das obras de Jerônimo. Na década de 1960, migra para São Paulo e durante os anos de 1970, participa do movimento da Praça da República, expondo seus trabalhos ao ar livre.

Um dos primeiros trabalhos mais importantes foi a participação das obras de Mestre Jerônimo na Bienal Internacional do Livro, IV Semana Editorial, ocorrida em 1972. Suas obras ilustram livros e ajudam a promover a arte popular. Em 1998, participa da Conferência Latino Americana em Toronto no Canadá e na Bienal de Gravura da Amadora, em Portugal. Em 2008, participa da Acrochafe de Printemps e vai para Montreuil, na França, representando a cidade de Diadema, estado de São Paulo.

Por volta de 2010, começa a produzir num novo desafio, a produção de xilogravuras coloridas, que ele pinta com o pincel, oferecendo um resultado final muito diferente do cordel tradicional, apenas pelo fato de ter o colorido vibrante, como as cores reveladas pelo forte sol do nordeste brasileiro.

Em 05 de junho de 2013, Mestre Jerônimo lança numa livraria de Santo André, o livro Na Ponta da Agulha, Jerônimo Soares, Mestre da Xilogravura. O livro foi um projeto organizado por Andréia Alcantara, Lyara Apostolico e Ricardo Amadasi. Como uma homenagem e reconhecimento ao trabalho artistístico e cultural do Artista Mestre Jerônimo.

Atualmente o símbolo do MAP, é uma figura que aparece muito na obra do artista, intitulado Pavão Viajante, que apareceu inicialmente na obra Quero Ver Minha Mãe, feita em 2005, e que hoje faz parte do acervo permanente do MAP. Na figura podemos observar a imagem de crianças viajando sobre as costas de um pavão de longas pernas, muito parecidas com pernas humanas. Na obra de Mestre Jerônimo podemos ver conservada as culturas da tradição oral, o folclore, a poesia dos cordéis, os fazeres e costumes do nordeste brasileiro e a produção no contemporâneo, com temas relacionados com a vida nas grandes cidades do Brasil no século XXI.

 

NERIVAL RODRIGUES - FESTA DE SÃO JOÃO (2015)

ORIGEM: ACERVO PERMANENTE DO MIAN (MUSEU INTERNACIONAL DE ARTE NAÏF DO BRASIL)

Nerival Rodrigues (1951 - )

 

Conheci Nerival Rodrigues numa exposição coletiva em 2006, onde ele ficava o dia inteiro pintando ao vivo, num espaço, onde hoje é um badalado bar na rua Ricardo Vilela, em Mogi das Cruzes. Desde então mantemos contato, e com frequência visito seu ateliê para trocar as últimas informações do universo das artes plásticas e experiências. Ele é um grande colaborador e incentivador das artes no Alto Tietê, é sem dúvida uma grande contribuição para a produção desse livro, pois aqui temos a oportunidade de ter uma biografia mais completa do artista e a inclusão de seu depoimento.

Filho de José Rodrigues e de Esther Pereira, Nerival Rodrigues veio ao mundo em oficialmente no dia 23 de dezembro de 1951, na cidade de Garanhuns, sertão de Pernambuco, a uns 100 km de Caruaru. Nerival é caçula de sete irmãos e passou a primeira infância na fazenda do Dr. Zito, onde a família trabalhava na lavoura. Foi na infância que Nerival teve sua primeira experiência como artista, desde nove anos, na hora do almoço, debaixo de uma árvore rabiscava com um graveto a mesma terra que a família cultivava, imagens que anos mais tarde ele iria transferir para as telas.

Por volta do início da década de 1960 a família migrou, num Pau de Arara para o noroeste do estado do Paraná, indo morar de início na cidade de Santo Inácio, depois mudou para a cidade de Auriflama, em São Paulo, onde Nerival se descobriu artista.

Em 1968 o artista conheceu a técnica da tinta óleo sobre tela e foi nessa ocasião que ele pintou sua primeira tela. Ao ver a destruição do Parque Dom Pedro II, em São Paulo, ele retratou as árvores sendo arrancadas pelas raízes, e recebeu suas primeiras críticas positivas. A obra se encontra com a esposa de um tio do artista, em Pirituba, SP. Os bons elogios à obra de Nerival foram positivos e o incentivou a continuar as suas pesquisas cromáticas e técnicas. A primeira exposição individual, oficialmente, aconteceu na cidade de Suzano, em 1972. No jornal A Comarca de Suzano, o artista recebeu a colaboração do colecionador Fernando Yamazaki, e a exposição foi muito importante para a carreira do artista.

Em1973, apoiado por Hélio Ribeiro, professor de comunicação da USP, o artista começou a expor seus trabalhos no movimento artístico da Praça da República, em São Paulo, onde permaneceu por dois anos, foi lá que ele teve contato com clientes estrangeiros, que compraram suas obras, levando para os quatro cantos do mundo e onde conheceu muitos artistas Naïfs, como Waldomiro de Deus e Wilma Ramos.

Paralelamente o artista trabalhava em outra profissão, no período de 1971 a 1982, trabalhou como operário na NSK e na Cia. Suzano, ambas em Suzano, período que conseguiu vender algumas obras para os sócios das duas empresas. Em 1982, cansado do trabalho duro na fábrica, Nerival decidiu largar o trabalho de operário e se dedicar ao de artista, foi fazer uma pesquisa sobre arte rupestre na Bolívia, retornando no ano seguinte.

Em 1983, Nerival Rodrigues retorna de suas viagens pela Bolívia e pelo Nordeste brasileiro, indo morar na então provinciana cidade de Mogi das Cruzes, interior de São Paulo. Nessa cidade Claudemir Zeferino o apresentou a muitos artistas do município. É em Mogi das Cruzes que o artista mantém um ateliê até hoje.

Em 1995, ele acompanhou uma caravana de artistas para a Costa Rica, um país que o cativou. Foi lá que ele pintou uma das maiores obras de sua carreira. O mural intitulado A Liberdade Questionada, uma pintura de quatro metros, doada com muito orgulho para o Centro de Estudos Gerais da Universidade Nacional da Costa Rica. Essa não foi a única grande obra que o artista pintou ao longo da sua carreira. O Centro de Negócios de São Paulo, encomendou através do empresário Lemos Brito, uma obra de aproximadamente 122m², pintado sobre gesso cartonado. Infelizmente, seis anos depois, a pintura foi destruída, quando tentaram remover para um outro local.

Recentemente o artista recebeu uma encomenda de uma obra para ser reproduzida sobre cerâmica e anexada no lado frontal da empresa Cotax, de Recife e que foi inaugurada em 13 de agosto de 2011, contando com a presença da Presidenta Dilma Roussef.

O artista já fez inúmeras exposições e suas obras já passaram por mostras em diversos países, como: Bolívia, Portugal, Espanha, Estados Unidos da América, Holanda, Paraguai, Alemanha, Argentina, Chile, Costa Rica, Israel, Marrocos, Finlândia, e em especial no Japão, onde encontramos por volta de 600 obras do artista espalhadas por coleções particulares.

Nerival Rodrigues não é apenas um artista Naïf preocupado com a sua carreira, ele se preocupa com uma evolução da produção como um todo, para estimular e divulgar a produção de artes visuais na região do Alto Tietê, em São Paulo, Nerival Rodrigues, ao lado de outros artistas da região, criaram em 2001 a Bienal do Alto Tietê, que em uma década promoveram três edições itinerantes.

Muitos se perguntam o motivo pelo qual a obra de Nerival Rodrigues é tão especial, a resposta é muito simples, suas formas e cores particulares, dão vida e forma aos seus quadros como nunca antes visto. Uma característica da arte Naïf é que cada artista, ao ser autodidata, e por tanto criar as suas técnicas, desenvolve uma forma muito particular de pintar, ou seja, cada obra de cada artista é única e individual. Como já foi destacado por muitos escritores e pesquisadores, ele pinta primeiro o céu azul ou estrelado, depois a terra, e aí cria o seu mundo repleto de beleza e vida.

Os temas bem variados vão das lembranças da vida no sertão nordestino, com seus retirantes, passando por estradas cercadas de cactos com flores cor de rosa, aos pescadores do litoral chegando com a pesca na praia, as populares plantações de cana de açúcar, café, algodão, cacau, laranja e abacaxi, onde pequenos agricultores trabalham no cultivo, indo até o Naïf urbano, com a vista das grandes cidades, das periferias, com seu jogo de futebol e os moleques soltando pipas, numa paisagem a perder de vista. Os temas folclóricos e populares também tem espaço na produção do artista, como as Festas Juninas, a Festa do Divino Espírito Santo de Mogi das Cruzes, as Congadas, Frevos, Maracatus, o Bumba Meu Boi, Cavalhadas e Folias de Rei fazem parte do mundo mágico de Nerival Rodrigues.

O artista já pintou praticamente todas as paisagens do Brasil, da grande cidade de São Paulo, ao Pantanal cheio de animais. Do Sertão Nordestino à cidade colonial de Mogi das Cruzes. Das paisagens verdes do Sul do Brasil ao colorido das tribos de índios do Amazonas. A produção de Nerival Rodrigues é algo sem precedentes na história das artes no Brasil, ele é um artista único e que deixará a sua marca na evolução das artes a nível universal.

Em 2015, a obra Festa de São João é integrada ao acervo permanente do MIAN (museu Internacional de arte Naïf do Brasil - Rio de Janeiro), esse é um reconhecimento de todo o valor artístico de nerival para a arte Naïf nacional.

 

IGNÁCIO DA NEGA - PAISAGEM NORDESTINA - (2013)

ACERVO SEM PAREDE

Ignácio da Nega (1945 - )

 

No início do mês de fevereiro de 2013 recebi uma ligação inusitada, era o senhor Inácio da Nega, que entrou em contato comigo após ter falado com outro artista Naïf, o Nerival Rodrigues, ao qual eu tinha escrito a biografia um mês antes. Conversamos e ele me enviou o portfólio via correio e assim escrevi a biografia do artista, que não conhecia pessoalmente, mas que já nos demos muito bem por telefone. No mês de junho de 2013 começamos a promover exposições na calçada da Avenida Paulista, vendendo nossas pinturas no chão para os turistas, as vezes juntos num mesmo ponto e as vezes separados em pontos diferentes. Quando juntos aproveitamos para trocar experiências e informações sobre exposições que estavam acontecendo pela Região da Grande São Paulo.

Inácio Ramos da Silva nasceu em Imbé (Surubim), Pernambuco, em 3 de Novembro de 1945. O despertar da arte se deu em meio familiar quando era menino, ajudava a mãe na decoração dos andadores das tradicionais procissões do município onde vivia.

O contato com as cores despertou o amor do artista pelo colorido. A carreira artística iniciou no ano de 1969, quando começou a pintar, já em São Paulo. Em 1970, voltou para Pernambuco para frenquêntar o curso livre de Belas Artes, sob a orientação do professor Alaerte Baldini.

Em 1980, promove uma exposição individual, Exposição Inácio da Nega Artista Primitivo, ao qual darei destaque. Ela aconteceu na FUNEPE (Campus Universitário), cidade de Penápolis, SP, no período de 26 de janeiro a 02 de fevereiro. A exposição foi promovida pelo Museu do Sol em parceria com a prefeitura do município. Foi uma oportunidade única de ver boa parte da produção do artista e essa exposição abre caminho para inúmeros convites e futuras exposições.

Em 1985, uma das obras do artista é reproduzida no livro Arte Ingênua Brasileira, escrita por Jacob Klintowitz, um projeto em parceria com a Associação Grupo Banco Cidade. A obra em questão recebeu o título de A Budega do Araçá, atualmente em coleção particular. Na obra podemos ver uma mistura da cultura de Pernambuco com um grupo de pessoas em primeiro plano, tocando talvez o forró, em meio as pessoas vemos um estandarte com a figura do Galo da Madrugada, um homem está fantasiado de cavaleiro sobre o cavalo, e no lado esquerdo vemos um dançarino pulando e dançando o tradicional frevo, com um pequeno guarda chuva. Ao fundo vemos uma igreja e coloridas casinhas do nordeste brasileiro, numa delas esta escrito o título da obra, que aborda um típico dia de carnaval.

Ignácio retorna para São Paulo e continua a pintar com orientação de Cássio M‟Boy e Iracema Arditi. O artista foi funcionário público do Governo do Estado de São Paulo até o ano de 1996, quando deixou o cargo para se dedicar inteiramente ao fazer artístico. No mesmo ano participa da Bienal Naïfs do Brasil em Piracicaba, com a obra Casa de Engenho Antigo, onde ele mostrou toda a força de sua cor, povoada de seus personagens típicos, mostrando também um intrigante céu negro, por onde passam nuvens cinzas, estaria o artista transmitindo um tema que acontece a noite? ou ele produziu a obra com um céu negro para dar mais destaque para as cores vivas em primeiro plano? A resposta fica a cargo de quem olha, pois cada um tem a interpretação própria, não existindo uma resposta correta e definitiva.

Ao longo de sua produção valorizou toda a cultura do nordeste brasileiro, seus tipos humanos, suas festas populares e as cores da região. O artista também trabalhou como pintor executivo da Galeria Seta, onde produziu inúmeras obras com o seu colorido inconfundível, destacando os temas que retratavam a prostituição.

Em 2000, participa novamente da Bienal de Naïfs do Brasil em Piracicaba, dessa vez com duas obras, A Fazenda e O Casamento Árabe, Ambas da mesma medida 60 x 50 cm. Destacarei a obra A Fazenda, pois nessa obra o artista pinta o campo de negro para dar destaque para as flores e pedras, o caminho se abre como uma porta, ou uma cortina de palco de teatro e aí o espectador tem a visão da casa da Fazenda em cor de rosa, num verdadeiro mix de personagens que se fundem entre mulheres carregando potes de água, homem indo trabalhar na lavoura, bananeiras e coqueiros e casas coloridas. Em primeiro plano vemos um casal e uma criança nua, parece que os dois estão se lembrando de tudo que estão deixando para trás ao partirem da casa da fazenda. Inácio da Nega pesquisou e produziu obras que abordavam temas relacionados as paisagens brasileiras, com foco em pequenas e grandes cidades coloniais de algumas capitais do Brasil.

O artista tem obras em todos os Estados do Brasil. Em panorama internacional ganha destaque para Suíça, França, Israel, Portugal, EUA, Alemanha, Argentina e Colômbia.

Atualmente o tema predominante em sua produção são as festas nordestinas permanecendo os personagens com o nariz característicos da obra do artista, e as festas de Pernambuco. Inácio diz que está numa nova fase, realmente os personagens mudaram um pouco, porém a essência da arte Naïf está impregnada na alma do artista, mesmo mudando alguns detalhes a produção contemporânea do artista permanece sendo arte Naïf.

Durante o ano de 2013 Ignácio atuou expondo aos domingos nas calçadas da Avenida Paulista, em São Paulo, SP. Foi lá que eu o encontrei e gravei seus depoimentos a respeito da produção e do mercado de arte Naïf da atualidade. Ao comparar algumas ações que ele já participou, como uma das Exposições onde alguns de seus trabalhos foram expostos no MASP na década de 1970 e comparando com a situação de hoje, onde expõe seus trabalhos no chão da calçada da avenida mais famosa do Brasil, houve uma perceptível decadência dos espaços onde o artista Naïf tinham participação nas principais atividades culturais da cidade.

A mudança da pintura de Ignácio da Nega pode ser vista numa obra que consegui com ele e que hoje faz parte do meu acervo permanente. O título da obra é Paisagem Rural, pintada em 2013, com tinta óleo sobre uma pequena tela de 30 x 40 cm. Na obra podemos ver uma imagem típica do interior do nordeste. Cena com duas casas cor de rosa, um céu azul e a tela ganha vida por causa de alguns personagens como a vaca, galinhas com pintinhos, quase passa despercebido a imagem de um pequeno passarinho pousado numa pedra do lado direito da tela. A grande diferença, se comparada com as pinturas de alguns anos atrás podem ser percebidas em dois pontos principais. O primeiro detalhe é a personagem, uma mulher de vestido vermelho, chapéu e que caminha descalça na vegetação. Com o passar do tempo seus personagens foram ficando com a característica mais gorda, uma influência da pintura de Botéro, outro artista da América latina. O segundo detalhe é a cor do chão, que foi pintado de violeta, para dar mais destaque para a vegetação verde claro. No geral a pintura de Ignácio ficou mais clara e suave, seus personagens ficaram com mais personalidade e a pintura como um todo ficou mais harmoniosa.

Em 2012/2013 está com exposição na França, promovida por Marina Arditi, filha de Iracema Arditi, estamos muito bem representados pelo trabalho de Inácio da Nega.

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