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BIOGRAFIAS DE ARTISTAS NAÏFS DO BRASIL 3

IMAGEM: WILMA RAMOS NA PRAÇA DA REPÚBLICA, SÃO PAULO

(FINAL DA DÉCADA DE 1960)

ORIGEM: ACERVO DA FAMÍLIA RAMOS

Wilma Ramos (1937- 2009)

 

Conheci Wilma Ramos na exposição individual, intitulada O Mundo de Imagens e Sonhos, que ela promovia no Museu Histórico Professora Guiomar Pinheiro Franco, no Centro Histórico de Mogi das Cruzes, em outubro de 2007. Na ocasião tive a oportunidade de manter contato com a artista e ver um pouco da sua vasta produção, ela sempre muito atenciosa e simpática, trocava experiências e valores com os visitantes. Na ocasião a artista disse que ficou por volta de 20 anos sem realizar exposição individual no município, a última tinha ocorrido em 1988.

Filha de Francisco Ramos e Judith da Cunha Ramos, a artista Wilma Ramos veio ao mundo em 22 de julho de 1937, numa casa da rua Flaviano de Mello, a alguns passos da Igreja do Carmo, no coração do Centro Histórico de Mogi das Cruzes, SP. A artista teve mais oito irmãos. A arte é uma herança de sua mãe. Já na primeira infância, com quatro anos de idade a pequena Wilma rabiscava no chão da calçada, em frente a casa da rua Barão de Jaceguai, casa onde passaria boa parte da sua vida.

A cultura popular e tradições folclóricas ainda são vivas na cidade de Mogi das Cruzes, que tem mais de 450 anos, e a artista participava, quando criança da Procissão de Nossa Senhora de Santana, padroeira do município. Entre seus 5 a 8 anos de idade a artista acompanhou o cortejo, vestida de anjo, algo que ela iria levar para as suas telas, onde ela quando criança é o personagem central da obra.

A mãe de Wilma teve papel fundamental na carreira da artista, sempre incentivou a filha a pintar, e quando não tinha material para pintar, pois a família era humilde, a mãe providenciava pedaços de tábua para que a filha continuasse a produzir.

O início da carreira de Wilma Ramos começou em 1967, no Salão Oficial de Arte Contemporânea de Campinas. No mesmo ano participa do 1° e do 2° Salões Mogianos da Associação Mogiana de Belas Artes (AMBA) em Mogi das Cruzes, onde ganha Prêmio do Júri, participa também do Salão Oficial Monteiro Lobato de Taubaté e no ano seguinte, promoveu sua primeira exposição individual, chamada de Mostra de Folclore na Prefeitura da cidade de Mogi das Cruzes.

Em 1968, mantêm contato com outros artistas da Praça da República em São Paulo, e conhece artistas como Ivonaldo e Maria Auxiliadora. Wilma tinha um bom relacionamento com a classe dos artistas Naïfs da Praça da República, estava ao lado da Maria Auxiliadora em sua primeira exposição individual e aos poucos ela foi ficando popular entre eles e participando junto em exposições coletivas. Este período da arte Naïf no Brasil é muito importante, pois graças ao trabalho dos Naïfs da Praça da República, é que as principais galerias de São Paulo começaram a perceber que existiam muitos artistas Naïfs, que tinham um público já formado, eram populares e começaram a abrir as portas para exposições individuais e coletivas.

O ano de 1970 marca a participação da artista no Salão Oficial de Embú das Artes e no Salão Oficial de Santos.

Em 1972, participa da inauguração do Museu do Sol em São Paulo, museu que anos mais tarde seria transferido para a cidade de Penápolis, no interior de São Paulo. Guardo com carinho duas fotos onde Wilma aparece ao lado de Maria Auxiliadora Silva, Ivonaldo, Waldemar de Andrade, Rodolpho Tamanini Neto, Zé Cordeiro, Elza de Oliveira, Elias Luiz, Castalia, Crisaldo Moraes, Isabel de Jesus, Ernesto Kawall e Paulo Wladimir.

Em 1971, participa de uma exposição coletiva promovida pela Universidade de Indiana nos EUA. Essa exposição foi muito importante, pois através dela surgiram convites para promover exposições em outros países da Europa.

Em 1973, seus trabalhos foram aceitos pelo tradicional 13º Salão de Arte Contemporânea de São Bernardo do Campo, SP, onde o acervo da Atual Pinacoteca de São Bernardo do Campo, guarda obras da artista, sempre lembrada com muito carinho.

Em São Paulo, Wilma frequenta o Museu do Folclore e mantém contatos positivos com o diretor Rossini Tavares de Lima e o CEF (Centro de Estudos Folclóricos, fundado em 1974), o qual abriga nomes ilustres como Marjô (Maria José Calheiros), Talambê, e o grande capoeirista Mestre Pinatti. Durante a Pesquisa chegou as minhas mãos um texto escrito a punho da própria artista, uma primeira tentativa de escrever sua biografia:

 

“Quando conheci a Marjô, ela me apresentou a Tarsila do Amaral, fui ao apartamento da Tarsila muitas vezes, na rua Lins de Albuquerque em São Paulo. Conheci também Ademir Martins, foi ele que me deu de presente as primeiras tintas acrílicas, pois eu pintava com tinta a óleo.

Por intermédio da Marjô, que foi do Grupo Guanabara, e foi também aluna de Di Cavalcanti e da Tarsila do Amaral, conheci através dela Manabu Mabe, Takeschi Susuki, Takaoca Fukushima, Alzira Pecarari e Flávio de Carvalho. Conheci Aldo Rosa e por intermédio dele, o Governador do Estado de São Paulo, Tenente Fill e Tenente Dorneles, eu e Marjô fomos voar de avião da Força Aérea Brasileira até Marcas, Barra do Garça, Aldeia Xavante e Xingu, onde conheci pessoalmente Orlando Vilas Boas.

Eu Também tive muita amizade com o pintor Uruguaio Carlos Paes Vilaró e ele tem em seu acervo particular uma de minhas obras, ele queria que eu fosse ajudar a pintar uma obra como faria uma tapeçaria.

Participei de um jantar no Lions Clube de São Miguel Paulista, onde foi oferecido aos artistas uma Rosa de Prata.

Eu ia muito ao Palácio dos Bandeirantes, cheguei a ver das janelas, se passava alguém importante para passagem da tropa. Cantei vários anos no coral da 1° de Setembro de Mogi das Cruzes, organizada por Nico Marmora, coral Santana e da NGK”.

 

Marjô seria uma figura muito importante na vida da artista, pois foi ela que apresentou Wilma Ramos a Tarsila do Amaral, na época uma senhora já de idade. Amizade que ficou muito popular na biografia da artista. A irmã de Wilma Ramos, Doralice Ramos contou que numa ocasião quando Wilma e Marjô visitaram o ateliê de Ademir Martins, ganharam várias tintas acrílicas, foi então que a artista deixou de pintar com a tinta óleo, que já fazia mal para a saúde dela, e passou a pintar apenas com a tinta acrílica, que tem mais luminosidade, atingindo efeitos ao quais Wilma procurava há muito tempo.

Em 1974, a artista vai para a Espanha, expor seus trabalhos, onde promove várias exposições, com especial destaque para a exposição individual na Galeria Artelux Madrid, na Espanha em 1977. A artista expôs suas obras nas cidades de Palma de Mallorca, Madri e Puerto de Pollensa. Ela permanece na Espanha por quatro anos e antes de retornar para o Brasil.

Em São Paulo, vai morar em um apartamento, e continua a manter atividades paralelas na Praça da República, onde conhece Nerival Rodrigues.

Em 1975, participa da Mostra Coletiva do Museu do Sol em São José dos Campos e da 7ª Exposição de Arte e Pensamento Ecológico na Galeria Prestes Maia em São Paulo e um destaque especial para o 1° Leilão de Arte, promovida pelo grande artista plástico mogiano Miguel Barros, popularmente conhecido como O Mulato, feita em São Paulo.

Em 1978, participa da Exposição de Arte Brasiliane em Bressia, Itália. Em 1980, promove uma exposição individual na Galeria Lena, em Buenos Aires, Argentina. Em 1989, promove exposição na Galeria de Artes ACD, em Santos e em São Paulo. Em 1990, participa de uma exposição coletiva da Semana do Brasil / Cassiano de Vilamoura, em Portugal. Em 1998, participa de uma exposição coletiva na galeria Vera Ferro, em Campinas, SP.

Em 1984, participa da Mostra coletiva do Museu do Sol em Penápolis. No período de 1970 a 1983, Wilma participou ativamente de mostras individuais, coletivas e de salões de arte pelo Brasil e pelo mundo, com especial destaque para Estados Unidos da América do Norte, Canadá, Espanha, Itália, Inglaterra, França, Portugal, Israel, Rússia, Argentina, Chile, Japão, Suécia, e destaque também para algumas exposições feita pela Associação Brasileira e Hebraica, UNICEF, e para as últimas feitas nos anos de 2000, 2004 e 2005 onde ela promoveu exposições na Galeria Jacques Ardies em São Paulo.

Em Setembro de 2008, participa da abertura de revitalização do tradicional Beco do Sapo no Centro Histórico de Mogi das Cruzes. Em 2009, ano em que faleceu, Wilma estava com uma exposição internacional, feita em Israel. As obras foram negociadas e o dinheiro entregue a família, assim era Wilma, uma artista sempre na ativa.

Alguns museus ao redor do mundo mantêm em seus acervos obras da artista como o caso do Museu de Arte Contemporânea do Chile, Museu do Fomento e Turismo de Palma de Mallorca, na Espanha, Museu de Antropologia de Indiana, E. U. A. Museu de Arte Contemporânea de Skoje, na Sérvia (Ex Iugoslávia), Museu de Arte Contemporânea do Chile, Museu de Arte Primitiva de Assis, Brasil, Museu das Igrejas do Carmo de Mogi das Cruzes e o mais importante deles o Museu do Vaticano, Cidade do Vaticano.

Durante o período em que retornou ao Brasil, até seu falecimento, Wilma manteve seus trabalhos expostos para comercialização na Galeria de Jacques Ardies, na Vila Mariana, a galeria trabalhou e continua trabalhando com obras da artista. A galeria é um espaço dedicado a arte Naïf brasileira.

Sempre envolvida com ações coletivas, a artista participou por 25 anos do Grupo Feminino de Artes Plásticas de Mogi das Cruzes, ao lado das artistas AnaMarb, Ilda Vera Lopes, Olga Duarte Nóbrega, Wanda Coelho Barbieri. O grupo se dissolve após a morte de Wilma Ramos.

As obras de Wilma são um caso a parte, de um colorido vibrante, ela pintava, principalmente com a tinta acrílica, que tem uma luminosidade maior que a tinta óleo, contornava seus personagens, que no geral tinham um aspecto muito comum, parecendo ser da mesma família.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Os temas dos oxuns, pescadores trabalhando, feiras livres, colheitas de laranja e cana de açúcar, festas populares como a do bumba meu boi, os bonecos gigantes, a malhação de Judas, as procissões religiosas e a festa do Divino espírito santo, os retratos de imagens sacras, como a incrível Nossa Senhora do Arco - Íris e de São Francisco dormindo na Mata Brasileira, rodeado de animais e de índios, estão entre os temas preferidos da artista. Foi com As Baiana que Wilma Ramos conquistou fama e sucesso no mundo da arte Naïf, as típicas Baianas de Wilma são únicas, formadas por uma saia geométrica com estampa, que lembra os panos de chita, muito comum na arte popular, na parte de cima as Baianas usam uma blusa branca de mangas curtas, enfeitadas por colares de contas coloridas e levam na cabeça um pano branco amarrado típico das baianas. O rico universo dos orixás e oxuns tiveram espaço garantido na obra da artista.

Wilma Ramos era uma artista que valorizava a Natureza e o Meio ambiente. Na exposição de 2007, onde eu a conheci, ela expôs por volta de 35 telas, mais peças de gesso, pátina, papel machê e cerâmica, selecionados e distribuídos pelo piso térreo do museu Guiomer Pinheiro Franco. Na ocasião ela declarou a um jornal local:

 

“Quase tudo que pinto ligo a Fauna e flora. Sou defensora da natureza. Essa é uma forma de dar um alô sobre a necessidade de preservar o meio ambiente.”

 

A artista ainda declarou que já participou de dois grupos de artistas engajados na organização de exposições sobre os temas relacionados à ecologia como o Grupo de Arte e Pensamento Ecológico de São Paulo e o Zoom América.

Internada no Hospital Beneficência Portuguesa em São Paulo.

Por problemas cardíacos, foi operada, porém sofreu um infarto que a deixou em coma irreversível, vindo a falecer às 22 horas do dia 26 de Abril de 2009, aos 71 anos de idade. Em seu velório participaram muitos dos artistas radicados em Mogi das Cruzes. Foi sepultada no Cemitério São Salvador, em Mogi das Cruzes.

Wilma Ramos se foi, mas nos deixou de herança uma rica pintura, símbolo não apenas da cidade de Mogi das Cruzes, mas de todo povo brasileiro ao qual ela soube retratar tão bem. A obra da artista marcou um capítulo especial no livro e na minha própria vida, pois eu como conheci a obra dela, acabei também sofrendo muita influência da sua produção na minha obra, agregando formas, figuras, cores e valores.

 

 

 

WILMA RAMOS - FEIRA LIVRE (2005)

ACERVO DA FAMÍLIA RAMOS

FOTO: ENZO FERRARA


 

DORALICE RAMOS - Festa de Nossa Senhora do Rosário (2014)

ACERVO PERMANENTE DO MIAN (MUSEU INTERNACIONAL DE ARTE NAÏF DO BRASIL - RIO DE JANEIRO)

FOTO: ENZO FERRARA

DORALICE RAMOS AO LADO DE SUA OBRA - MOGI DAS CRUZES - 2015

FOTO: ENZO FERRARA

Doralice Ramos (1946 - )

 

Conheci Doralice Ramos ao visitar a casa de Wilma Ramos, da qual era irmã. Dora, como é chamada carinhosamente pelos amigos, foi uma pessoa muito importante nessa pesquisa, pois gentilmente ofereceu cópia de vários documentos, que foram muito importantes para a construção do texto biográfico de Wilma Ramos, corrigindo até um erro que encontrei em vários livros e catálogos, sobre o ano de nascimento de Wilma Ramos. Doralice Ramos nasceu em 26 de agosto de 1946, na casa da Rua Barão de Jaceguai, centro histórico de Mogi das Cruzes, mesma casa onde vive até hoje. Filha de Francisco Ramos e Judith da Cunha Ramos. A artista morou muitos anos na cidade de São Paulo, em companhia de Wilma Ramos,sua irmã e maior incentivadora e junto com o amigo Valdesoiro, outro artista famoso no mundo das artes.

O início da carreira de Doralice aconteceu oficialmente em 1978, quando ela participou do III Salão de Artes Plásticas de Itú, SP e no Salão da Primavera, no Saguão do Diário de Mogi em Mogi das Cruzes, SP.

A artista teve mais sete irmãos, além de Wilma Ramos. Doralice não se expressa apenas na pintura, pois é também artista da escrita, começou a escrever poesias aos 12 anos de idade. Trabalhar como secretária e em outras profissões. Aos 18 anos foi trabalhar como secretária bilíngue em grandes empresas multinacionais, depois foi viver nos Estados Unidos. Morou por um ano na Califórnia em 1985, onde trabalhou, pintou, promoveu exposições e vendeu suas obras. Vive também uma temporada na Europa em Portugal, Espanha e Finlândia, onde viveu por seis anos e por onde vendeu suas obras.

Doralice tem 1 livro editado de poesias com o título de “Nasce”, publicado em 1974 pela Galeria de Arte Século XXI em São Paulo. Ela ainda fez parte de uma coletânea de Poesias “Antologia Poética”, projeto da Coordenadoria Municipal de Cultura e Patrimônio Histórico de Mogi das Cruzes, no 2º concurso de 2008, com a poesia “Alma de Metal”.

Por alguns anos a artista continuou a produzir sua pintura, mas fez uma pausa nessa produção após o falecimento da irmã, voltou a produzir sendo incentivada pelo artista Naïf Nerival Rodrigues que começou a convidar a artista para expor e participar de exposições coletivas, desde então continua a pesquisar e aprimorar suas técnicas de pintura. Os temas de seus quadros são bem variados, abordam temas da infância da artista, alguns de imaginação e outros valorizam as ricas cores e formas da fauna e flora do Brasil.

Atualmente a artista vive na casa onde nasceu em Mogi das Cruzes, onde continua a produzir suas obras, ela declarou: “Assim continuo morando agora na casa onde nasci e onde tenho as minhas inspirações, pois almejo continuar com minhas obras dia à dia, aprimorando, buscando mais técnicas, mais exposições e outras coisas mais.

Em 2012 participou da exposição coletiva Fé e tradição / Os Santos de Junho, no Museu de Arte e Cultura de Caraguatatuba, com as obras “Cai Cai Balão” e “Festa de São João”.

A artista já fez exposições em Itú, Mogi das Cruzes, São Paulo, Araçatuba e Marília. Fora do Brasil promoveu exposições na região da Califórnia nos E.U.A. Dora apresenta uma obra de inspiração única, que dialoga com as pinturas feitas pela irmã famosa, porém suas pinturas tem personalidade própria, ligadas com as experiências de vida da artista, que são únicas e intransferíveis.

 

DARCY CRUZ - Festa do Divino Espírito Santo (1990)

ACERVO SEM PARECE

Darcy Cruz (1931 - 2007)

 

Não tive a oportunidade de conhecer esse grande artista em vida, mas tenho um enorme respeito e carinho por ele, que é sempre lembrado por outros artistas com muita saudade. Darcy Cruz é um dos maiores artistas Naïfs de Mogi das Cruzes e do Brasil com um trabalho reconhecido. Resultado de vários anos de dedicação e de prêmios que ele conquistou ao longo de sua carreira. A primeira vez que vi uma obra dele foi numa exposição coletiva, que eu estava ajudando a organizar no CIARTE (Centro de Cidadania e Arte) em Mogi das Cruzes e logo me identifiquei, pois vi um diálogo com as obras de arte Naïf de outros artistas.

Darcy Fernandes Cruz nasceu em Avaí, próximo a cidade de Baurú, interior do estado de São Paulo, no dia 12 de fevereiro de 1931. O contato com a arte aconteceu no meio familiar. Seu avô que era construtor e tinha um hotel, fazia decoração com a ajuda do neto que o ajudou preparando as tintas. O jovem Darcy ficava maravilhado ao ver como surgiam as cores, paisagens com animais e pessoas, com a estética Naïf.

Com a crise econômica da década de 1930, o interior também foi afetado e um tio do artista, que já morava na cidade de São Paulo, convidou a família para ir morar na capital e a família então se mudou.

As primeiras pinturas mais sérias surgiram num período onde nosso artista trabalhou numa oficina mecânica, consertando veículos. Com os funileiros ele conseguiu suas primeiras matérias primas, tábuas e principalmente tinta á óleo, que na época eram importadas e muito caras, portanto inacessíveis ao artista. Em São Paulo, trabalhou como tapeceiro, e nas horas vagas pintava algumas encomendas que começavam a surgir. fazia pinturas decorativas para a casa das pessoas, letreiros, decoração de salões de carnaval e painéis para carros alegóricos, que desfilavam nos carnavais de bairro.

O jovem Darcy Cruz estudou e trabalhou pelos bairros paulistanos do Belém e Tatuapé, chegou a abrir uma oficina no Brás. A agitada vida na grande metrópole, a má alimentação, pois comia muito lanche em horários alternados e raramente almoçava, começou a afetar sua saúde, surgindo problemas gástricos.

Em 1953, logo após se casar, mudou para a cidade de Mogi das Cruzes, relativamente perto da região onde morava em São Paulo. Em Mogi das Cruzes, ele logo consegue emprego numa empresa que necessitava de mão de obra especializada e se transfere em definitivo com a família para a cidade. Algum tempo depois monta sua própria oficina, na rua Engenheiro Gualberto, próximo a Estação Ferroviária de Mogi das Cruzes. No interior consegue se organizar e melhorar a sua qualidade de vida, sobra tempo até para continuar a produzir suas pinturas. O artista teve dois filhos, um menino e uma menina.

Darcy Cruz é um artista autodidata, mas sempre teve contato com várias técnicas de pintura, no período em que morava na cidade de São Paulo, visitava galerias e exposições para ver como outros artistas misturavam as tintas, faziam as marcas com o pincel e criavam efeitos de degrades. Tudo o que via e aprendia levava para as suas obras.

Ele sempre se considerou um artista Naïf, que ao longo de sua carreira conseguiu evoluir muito, ao ponto de algumas de suas obras podem ser consideradas acadêmicas, mas a sua principal característica é a Naïf. Ele dizia que na arte Naïf poderia pegar um tema da realidade, como por exemplo, uma paisagem com uma cidade e ao pintar a obra consegue tornar a paisagem mais bonita, com mais cores e detalhes do que na realidade, isso para ele, não seria possível na arte acadêmica.

Todos os artistas que conheceram Darcy Cruz o consideram um dos maiores nomes da arte Naïf Mogiana. Sempre muito social, dialogava com todos de igual para igual. E muitos se lembram dele pintando na Praça do Carmo, algum tema dos arredores, como uma padaria que já não existe mais, com pessoas que vão e vem, coloridas e cheias de vida.

Os temas que abordava eram bem variados, de procissões, Festas Populares Candomblé, Festa do Divino, Vendedores Ambulantes, Grupos de Congadas e Moçambique, Terreiros de Umbanda e até os tradicionais Ex Votos. Suas obras são cheias de cores e significados, valorizando a riqueza da cultura popular brasileira e a miscigenação étnica do país, ele chegou a declarar: “A Pintura Naïf é o que mais representa a nossa cultura. Se um estrangeiro vem para o Brasil, deseja levar algo típico. Não um vaso de flores ou uma tela acadêmica.”

Ele se encaixa num estilo muito comum dentro da produção de arte Naïf, o estilo QUEM VÊ CARA NÂO VÊ CORAÇÃO, onde o artista pinta os personagens sem o rosto, esse estilo aparece nas obras do artista que tem tema de manifestações coletivas, como procissões, cortejos, festas populares e casamentos. Ele tinha uma grande admiração pela obra do artista Cândido Portinari, que não era Naïf, mas que levou para as suas telas a imagem rústica do trabalhador do campo, talvez por isso, por valorizar a cultura do povo, que o nosso artista se identificou com a obra de Portinari, pois Darcy Cruz soube retratar o povo do interior como poucos, suas cores e sua cultura simples. Destacarei algumas obras de Darcy Cruz, que participaram de importantes exposições de arte Naïf.

Em 1996, duas obras do artista participaram da III Bienal Naïfs do Brasil em Piracicaba, uma tem o título de Circo, Alegria do Povo, onde vemos um circo de tenda colorida e na porta estão pintados os principais artistas do espetáculo; dois palhaços, um equilibrista sobre o cavalo e o Homem mais forte do mundo, ainda vemos um carrinho de pipoca, um palhaço vendendo balões coloridos e o público chegando. O nome do circo é “Circo do Beijinho”. No plano de fundo vemos uma cidade do interior com casinhas em meio a vegetação, uma pipa sobe por cima do circo mostrando que alguém está brincando. A segunda obra tem o título de Festa no Arraiá, onde vemos uma igreja como plano de fundo e a imagem de Nossa Senhora Aparecida num mastro, um grupo de homens tenta subir no Pau de Sebo. Tem várias barracas e novamente a presença do carrinho de pipoca e o Pipoqueiro. Nas duas obras encontramos a forte presença do amarelo, que ilumina tudo.

Em 1998 Darcy volta a participar da IV Bienal Naïfs do Brasil em Piracicaba com a obra O Vendedor de Cocada. Na pintura vemos um típico vendedor de cocada com seu tabuleiro, ao fundo vemos uma agitada vila com casinhas coloridas, uma igreja branca ao longe, uma escola e o bar do Zé, crianças brincam com bolinhas de gude (fubeca) e as pessoas estão indo e vindo, carregando objetos e trabalhando.

Em 2000, ele participa da V Bienal Naïfs do Brasil em Piracicaba com duas obras, uma tem o título Violeiro do Divino. Nessa obra o artista levou para expor um tema relacionado com a cidade de Mogi das Cruzes, onde a festa do Divino Espírito Santo é muito popular. Retratou um violeiro do Grupo de moçambique São Benedito, que vestem calça preta e camisa amarela e que existe de verdade, pois logo atrás do retratado vemos um personagem carregando o estandarte do grupo com a inscrição “Moçambique São Benedito”. O violeiro está em primeiro plano e tem o rosto completo com olhos, boca, nariz e barba, outros personagem ao fundo não tem rosto, característica típica na obra do artista, ainda vemos uma capela do Divino e as Bandeiras que representam o Divino Espírito Santo. Outra obra tem o título de Festa de São Benedito, festa que realmente acontece em Mogi das Cruzes no final do mês de março, com vários elementos que aparecem na obra de Darcy Cruz, o Pau de Sebo, as Barracas de comida típica, os grupos de congada e Moçambique e novamente o carrinho de pipoca, ainda vemos mais afastada uma igreja branca de duas torres, uma cidade de casinhas brancas e um mastro com a imagem do Santo homenageado, assim como em outros trabalhos, os personagens também não tem rosto.

Em 2004, ele participa da VII Bienal Naïfs do Brasil com a obra Baile na Fazenda, um quadro muito curioso. O salão de baile está decorado com bandeirinhas nas cores vermelho, azul e branco, numa das paredes tem um quadro com um carro de boi na estrada e no outro um retrato em moldura oval dos donos da casa no dia do casamento. Todos estão animados dançando, um grupo de violeiros está tocando e duas janelas se abrem para que possamos ver como a fazenda é verde e com algumas casinhas próximas.

Fora as Bienais de arte Naïf ele participou de outras exposições pelo Brasil, como a XV Mostra Afro-Brasileira Palmares em Londrina no Paraná.

Em 2001, participa da I Bienal do Alto Tietê com a obra Festa de São Benedito, nela podemos observar a tradicional festa de São Benedito de Mogi das Cruzes, retratada no local em que ela acontece, localizado na praça em frente da Igreja de São Benedito, no Centro Histórico, onde são montadas as barracas de comidas típicas e o grupo de Congada São Benedito também aparece na obra, junto com o carrinho de pipoca e o mastro com a imagem do Santo. Tudo é festa e alegria emolduradas pelas vibrantes bandeirinhas de Festa Junina.

Guardo em meu acervo permanente uma obra, medindo 50 x 70 cm, pintada por Dracy Cruz, que foi doada pela filha do artista, para que continuace circulando em exposições mesmo tendo passado muitos anos após o falecimento de Darcy. A pintura tem como título Festa do Divino. A pintura foi produzida muito provavelmente na década de 1990, nela podemos ver como uma igreja com duas torres onde tem dois sinos, com seus vitrais coloridos. A imagem da igreja é cortada pela festividade de um cordão com bandeirinhas de festa junina muito coloridas. No lado esquedo da obra podemos ver chegando um grupo de romeiros com bandeiras, cavalgando em seus cavalos, já no lado direito os fiéis estão indo na direção oposta, e carregam também bandeiras vermelhas. Na frente da igreja podemos ver personagem de tamanho maior do que os outros onde homens e mulheres carregam suas Bandeiras do Divino e em primeiro plano a cena é dividida entre o grupo de Moçambique São Benedito, que está tocando música e um Carro de Boi visto de frente, ao lado de seu carreteiro.

A obra de Darcy Cruz é um orgulho para a cidade de Mogi das Cruzes, cidade em que ele não nasceu, mas que escolheu para viver, marcou a sua história nos principais eventos de arte, valorizando tipos populares e a cultura do interior de São Paulo. Nosso grande artista falece em Mogi das Cruzes no dia 05 de Fevereiro de 2007.

HERALDO MORAES NA DÉCADA DE 1970

ACERVO DA FAMÍLIA

Heraldo Moraes (1946 - 2005)

 

A Biografia de Heraldo Moraes foi uma das mais difíceis do projeto desse livro. Ao decorrer da pesquisa me deparei com a possibilidade de não considerar a obra do artista como algo dentro das características da pintura Naïf local, mas ao ver os passos que ele deu ao longo de sua carreira, seus valores culturais e sua personalidade, as vezes polêmica, considerei sua obra como um dos vários casos de artista Naïf com uma base de ensino de técnica de pintura, pertencendo ao estilo de pintura Naïf de personagens sem o rosto.

Heraldo Moraes nasceu num sítio nos arredores de Salesópolis, interior de São Paulo, no dia 30 de maio de 1946. Heraldo Moraes era filho de João Moraes e Anésia Sivalli Moraes, que tiveram onze filhos, Heraldo era descendente de Italianos da região de Cremona, por parte de mãe, algo lembrado pelo artista, que mantinha emoldurada na parede de seu ateliê o documento de liberação para imigração para a América do Sul, emitido pelo governo italiano, para que seus avós pudessem vir ao Brasil em definitivo.

Quando criança, já demonstrava criatividade inventiva nos brinquedos e nas brincadeiras com os irmãos, estudou até o quarto ano, pois a região onde a família morava, o curso nas escolas ia até o quarto ano e para continuar as crianças deveriam se matricular na cidade vizinha, então Mogi das Cruzes, onde tinha um número maior de colégios.

O jovem artista se mudou para a cidade de Mogi das Cruzes em 1965 e em definitivo em 1968, continuou a estudar e trabalhar como operário nas fábricas Elgin e Valmet. Foi na cidade de Mogi das Cruzes que ele começou a estudar desenho e pintura no ateliê da artista Olga Nóbrega durante o ano de 1973. Em 1974, muda para São Paulo para estudar no curso de Belas Artes numa escola no bairro do Brooklim, alugou um pequeno apartamento e chamou o irmão para morar junto e trabalhar em São Paulo, ficaram morando juntos até o irmão voltar para a cidade de Mogi das Cruzes para se casar e Heraldo ficou morando por mais um ano em São Paulo.

No início dos anos de 1980, o artista volta para Mogi das Cruzes e começa a se envolver com artistas do município de forma mais íntima. Participa como jurado em eventos ligados ao carnaval e confecciona fantasias de luxo, participando também de concurso de fantasias. No dia 19 de fevereiro de 1985, uma terça feira, o jornal O Diário de Mogi, apresenta no caderno de coluna social, o ganhador do 1° lugar de fantasia masculina, mostrando Heraldo Moraes fantasiado de faraó.

O Ano de 1986 marcaria a história do artista, pois ele conseguiu ser contratado para o cargo de atendente social no Hospital das Clínicas da Cidade de Suzano, cidade vizinha de Mogi das Cruzes. Ele continuou a pintar e a participar de eventos culturais como jurado, agora com mais tranqüilidade, pois com uma segurança finanaceira mais garantida pelo trabalho ele consegue comprar uma casa em Mogi das Cruzes, na travessa Ipiranga , perto da movimentada Avenida Ipiranga, onde constrói seu ateliê em formato de chalé. Heraldo era uma pessoa de personalidade tranqüila e reservado, vivia em harmonia com seus vizinhos, com os amigos era alegre e sempre bem humorado, quando outros artistas pintavam ao vivo nas praças do Centro Histórico ele se fantasiava de palhaço para atrair público e brincar com as crianças. Heraldo era amigo do Padre Vicente, destacado religioso e filantropo da cidade e que quando foi para a Itália levou alguns quadros do artista que foram todos vendidos.

Na casa da travessa Ipiranga, conhecida também como casa 7, ele logo começa a fazer pequenos comércios e abre um espaço para trabalho de cortando cabelos. No início de amigos, pois não tinha muita experiência. Nos primeiros anos da década de 1980, foi aberto um bar alternativo, voltado para o público LGBT, localizado nos arredores da igreja São Benedito, Centro Histórico de Mogi das Cruzes, logo começou a fazer amizades com os clientes do bar, que frequentavam seu ateliê e cortavam cabelo com Heraldo Moraes, logo o ateliê passou a ser ponto de encontro da classe artística, de membros do universo LGBT e de carnavalescos.

A produção artística dele é um caso a parte, sempre apresentou um ótimo desenvolvimento da arquitetura em suas paisagens urbanas, isso acontece pela base de educação com as tintas de professores como a artista Olga Nóbrega, de quem herdou muitos traços e principalmente o colorido, mas seus personagens fazem parte da característica do QUEM VÊ CARA, NÃO VÊ CORAÇÃO, que tem como característica de apenas colocar a cabeça, mas não o rosto com olhos, nariz e boca, muito comum na produção de arte Naïf brasileira. Durante a década de 1990, a produção do artista fica ainda mais Naïf, ele retrata pontos turísticos da cidade de Mogi das Cruzes. As várias igrejas do Centro Histórico e arredores, com a atmosfera popular da cidade, onde acontecem as procissões da Festa do Divino Espírito Santo, vendedores de pipoca e balões coloridos se misturam com as pessoas nas praças e até algum grupo de congada passando, batendo tambor na produção do artista. Heraldo gostava muito da cultura das antigas civilizações, chegou a visitar as pirâmides maias no México e tinha o sonho de conhecer o Egito.

Em 2001, acontece a I Bienal do Alto Tietê, e Heraldo participa com a obra intitulada Largo da Catedral em 1978, que retrata a Praça da Igreja Matriz de Mogi das Cruzes trinta anos antes. A catedral não é retratada na obra, mas as casas do entorno, podemos ver também as pessoas ocupando o espaço público, crianças dando pipocas aos pombos e três carrinhos de vendedores ambulantes, um de pipoca, outro de sorvete e o terceiro de Hot Dog, um vendedor de balões e bonecos, mostrando uma cidade de uma outra época, com características de interior e mais provinciana. Essa obra é um marco da pintura Naïf de Heraldo, sendo exposta ao lado da produção de outros artistas Naïfs como Darcy Cruz, Wilma Ramos, Cida Ruíz e Nerival Rodrigues. Por tanto, sendo considerada pelos curadores da Bienal como arte Naïf regional. Nos três anos seguintes sua produção assume um perfil de Naïf surreal, fantástico e ainda mais colorido.

A morte de Heraldo Moraes é cercada de muito mistério, na noite 24 de abril de 2005, madrugada de domingo para segunda feira, ele foi se divertir na casa noturna UP CLUB, voltada para o público LGBT da região, que na época abria aos domingos como domingueira. Se divertiu por algum tempo e foi embora cedo, mas Heraldo Moraes era uma figura bem conhecida, e muitos sabiam onde ele morava, ao retornar para seu ateliê, onde morava, foi brutalmente assassinado. Na manhã seguinte, seu sobrinho foi visita-lo, encontrou o corpo de Heraldo, no chão da cozinha. O artista morreu aos 58 anos, com uma facada no peito, amordaçado e com vários golpes na cabeça. Na época a polícia trabalhou com a hipótese de homicídio simples, descartando a possibilidade de assalto, pois as portas e janelas do ateliê não tinham sido arrombadas, provavelmente Heraldo conhecia seu assassino e o deixou entrar. A notícia pegou os amigos e artistas da cidade de surpresa, pois Heraldo não tinha inimigos e era uma pessoa calma, de vida tranquila. Na época foram feitas investigações que não deram resultado. Seu assassino nunca foi descoberto, o caso logo foi arquivado pela polícia. Sua biografia e produção ficaram esquecidas pelo poder público e por agentes culturais até o momento da pesquisa desse livro, que resgatou a memória cultural e imagens de algumas obras.

HERALDO MORAES - QUERMESSE (1976)

FOTO: ENZO FERRARA

ACERVO PARTICULAR DA FAMÍLIA DO ARTISTA

DETALHE DA OBRA DE MARI/ MARINEIS DIAS.

NA OBRA ELA RETRATA O CARNAVAL COM BONECOS GIGANTES EM TORNO DA ESTAÇÃO DE SABAÚNA, REGIÃO DE MOGI DAS CRUZES.

ORIGEM: ACERVO DA ARTISTA

Mari Marineis Dias (1967 - )

 

Conheci Marineis Dias na I Expo Tieteìsmo, exposição coletiva no CIARTE de Mogi das Cruzes, em setembro de 2008. De início ela já se apresentou como uma artista e desde então mantemos um relacionamento de amizade e um constante diálogo, em algumas ocasiões participamos juntos de ações culturais.

Marineis Limeira Dias nasceu em Tremendal, interior da Bahia, migrando com a família alguns anos depois para São Paulo. Filha de pais nordestinos, na mais pura essência da miscigenação brasileira, neta de índio, de negro e de portugueses. A família do pai da artista é seguidora e devota da Folia de Reis e do Reisado de São Sebastião.

Os pais da artista passaram para os filhos a cultura de um nordeste cheio de problemas sociais, miséria humana, lendas, porém ricamente encantadora com as suas tradições e vivências, e acima de tudo, cheio de esperança e em busca da possibilidade da felicidade, vistos no modo puro e simples da fartura, no cheiro de comidas e frutas, lembrados nas memórias olfativas da artista, que ela diz nunca se esquecer por serem inconfundíveis. Com toda essa base de cultura popular, a artista só poderia beber da água de suas raízes para desencadear o seu processo criativo artístico, e claro recheados pela trajetória pessoal, com suas experiências de vida, suas lembranças de infância, seus sentimentos e sua impressão do mundo a sua volta.

Ela diz que a pintura aconteceu como um pote d'água que mata e provoca ao mesmo tempo, toda a sede! Foi a partir de 1996 que começou a pintar e a buscar mais referências bibliográficas. No início pintou várias cópias de obras de outros grandes artistas, sempre tendo como estampa, os grandes mestres brasileiros, entre outros se inspirando nas cores de Tarsila do Amaral, nas mulatas de Di Cavalcanti, no Morro e nas músicas de Heitor dos Prazeres.

Na época ela já era formada em Comunicação Social e alguns anos mais tarde, em 2004 foi estudar Artes Plásticas, o que ampliou muito o universo em termos de arte, essa informação torna a artista uma representante de um braço da arte Naïf de artistas que tiveram algum tipo de formação convencional, mas continuaram a produzir utilizando a estética já estabelecida da arte Naïf, não devem ser analisados de forma distinta, mas como algo que completa a produção de arte Naïf nacional.

Em 2000, fazia as suas experiências em cultura popular. Foi a partir desse ano que começou o trabalho de resgate da cultura popular dos Bonecos Gigantes em Sabaúna, Subdistrito de Mogi das Cruzes, SP, que definitivamente se apaixonou por esse tipo de arte. Em pouco tempo os bonecos Gigantes de Sabaúna ganharam fama e se tornaram referência cultural da localidade.

Paralelamente a produção da artista nascia uma ONG de preservação, cujo trabalho se desenvolve dentro de uma antiga estação ferroviária desativada e o prédio é um patrimônio histórico de 1932, ricamente adornado e em processo de depredação. Para piorar a situação a cultura do distrito que tem quase quatrocentos anos de existência, sendo o primeiro bairro oficialmente criado em Mogi das Cruzes, e sendo uma referência cultural da região. Bastou juntar tudo e assim a artista passa a promover ações culturais no espaço, levando cultura para a comunidade.

No ambiente da antiga Estação Cultura de Sabaúna, Marineis desenvolve várias atividades e projetos culturais, com destaque para as exposições de pintura Naïf, e confecção dos Bonecos Gigantes de Sabaúna, coloridas mascaras de teatro e alegorias. Os Bonecos Gigantes se tornaram a mais de dez anos uma referência folclórica e carnavalesca, sendo hoje objeto de oficinas de arte popular.

Todo o trabalho cultural de preservação desenvolvido no local permitiu a recuperação e restauração parcial do patrimônio, além de tornar o espaço vivo e dinâmico. Hoje, o prédio está em processo de tombamento pelo município, é de fundamental importância sua preservação para continuar a ser um espaço que abriga e dá o acesso a produção local. A estação ainda se tornou um Ponto Municipal de Cultura.

Com tantas atividades a artista ainda tem tempo para produzir. O processo criativo de Marineis é puramente intuitivo, não se prendendo a temáticas, criadas a partir de referências biográficas da artista, valorizando sentimentos e emoções que transmitem estados de espírito a serem registrados de forma poética em materiais diversos.

A artista já participou de várias exposições coletivas e algumas individuais, mas a grande conquista da carreira foi com a seleção da obra Tributo à Infância, pela 10ª Bienal Naïfs do Brasil de 2010. Obra que nos faz pensar, se só se paga tributo a quem morreu, a infância teria morrido? A ingenuidade, símbolo da infância teria morrido? São essas questões que movem o universo da arte Naïf contemporânea. Foi sem dúvida uma grande conquista para as artes plásticas de Mogi das Cruzes, que sempre revelou grandes artistas e especialmente na pintura Naïf, que ganha mais espaço e notoriedade por sua verdade poética, sua veia provocativa e absolutamente inconfundível.

A pintura de Mari Marineis Dias é única, com traços, que lembram uma pintura infantil, colorido harmonioso e falta de preocupação com a perspectiva dão característica a obra da artista, que tem como temas, a música, a cidade, formas e rostos, ou simplesmente abordam uma casa banhada pela luz do luar. Ela marca a pintura do hoje e com certeza as futuras gerações vão olhar para o passado e ver a rica produção da artista.

IMAGEM DA ESQUERDA PARA A DIREITA: ZETI MUNIZ E ENZO FERRARA EM DIVULGAÇÃO DE JORNAL LOCAL DA EXPOSIÇÃO COLETIVA EM LOCAIS DIFERENTES (IMOBILIÁRIA) 2009

Zeti Muniz (1956 - )

 

Paulo Donizeti Muniz de Queiroz é mogiano da gema, nasceu na Santa Casa de Mogi das Cruzes, no dia 21 de janeiro de 1956, e cidade onde vive até hoje. Passou sua primeira infância no Centro Histórico de Mogi das Cruzes e viu ao longo do tempo as profundas transformações que ocorreram na cidade com o desenvolvimento urbano, uma cidade que aos poucos foi deixando de ser rural para se transformar numa grande cidade desenvolvida.

Artista plástico com mais 50 anos de carreira, pinta desde 10 anos de idade, é conhecido por seu trabalho de pintura Espatulada, mas também trabalha com outros estilos, pois é professor de pintura em seu ateliê e por isso tem que estar sempre preparado para atender alguma encomenda ao gosto do cliente e passar um amplo leque de técnicas para os seus alunos. Zeti trabalhou por muito tempo como caminhoneiro, e por onde passava fazia exposições, isso fez com que suas obras ficassem espalhadas e conhecidas por todo país. Ele é um artista autodidata.

Zeti é um dos fundadores e líder do Grupo de Artes Frontispício, ele ajuda a fazer uma ponte de diálogo entre a classe artística junto ao poder público e a opinião pública, dando voz a muitos artistas, até então desconhecidos, ou simplesmente ignorados.

Atua no período de 2015 como conselheiro de artes visuais no conselho municipal de cultura de Mogi das Cruzes.

Zeti Muniz já fez centenas de exposição, mas merece destaque as que foram realizadas na inauguração do Shopping Center de Mogi das Cruzes, no início dos anos de 1990, na Sala de Atividades das Igrejas do Carmo, no Centro Cultural Moriconi de Suzano, na casa da Estação em Poá, No Museu Dr. Octaviano Armando Gaiarsa em Santo André, Junto a ações beneficentes no Asilo São Vicente de Paulo, Na Escola Ambiental e Ilha Marabá, Na Corporação Musical Banda Santa Cecília, no Beco do Sapo, no Ciarte (Secretaria de Cultura e Centro de Ação e Cultura de Mogi das Cruzes), Na Agência Central da Caixa Econômica Federal de Mogi das Cruzes, Na Ação Cultural “Tem Saci na Praça”, Na Biblioteca Municipal de Mogi das Cruzes, Na Estação Cultura Sabaúna e no CECAP (Centro Cultural do Pinhal) onde desenvolve e é responsável por promover exposições de curta duração de outros artistas da cidade no mesmo local.

Ao decorrer de 2009, Zeti descobriu uma nova vocação, a de contador de histórias para crianças, que sempre atraem muito público, na biblioteca municipal e em ações sócio educativas voltadas para o meio Ambiente, promovidas pela Secretaria de Meio Ambiente, fazendo suas apresentações na Ilha Marabá, No Parque Municipal na Serra do Itapety e na Escola Ambiental, dando palestras para grupo de crianças, estudantes e até para professoras de ensino fundamental. Atualmente desenvolve projetos culturais no CECAP e luta para a criação do Museu de Artes Mogiano. 

O artista tem consciência de que suas ações contribuem para a formação de um novo público, abrindo portas para o rico universo das artes plásticas e para que novos espaços sejam abertos com a finalidade de exposições.

Em 2012 o reconhecimento da obra do artista chegou com a participação na 11ª Bienal Naïfs do Brasil, com a obra O Prefeito Padeiro, que foi utilizado como capa da agenda do SESC em Março de 2013.

Em 2013, participa da exposição coletiva no MAP ( Museu de Arte Popular de Diadema) em comemoração a tradicional Festa do Divino de Mogi das Cruzes.

Em 2015, o valor artístico da obra de Zeti acontece novamente com a incorporação da obra Missigenação ao acervo permanente do MIAN (Museu Internacional de Arte Naïf do Brasil no Rio de Janeiro).

ZETI MUNIZ - MISSIGENAÇÃO (2011)

ACERVO DO MIAN (MUSEU INTERNACIONAL DE ARTE NAÏF DO BRASIL - RIO DE JANEIRO)

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