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Carlos E. Pellegrini - Iglesia de Santo Domingo, con procesión de Nuestra Señora Del Rosário - (1830)

A INGENUIDADE REPRESENTADA NA PINTURA DA AMÉRICA LATINA (SÉCULO XIX)

 

Durante o século XIX vamos ver o surgimento, na América Latina Hispânica, a ingenuidade representada na pintura, mesmo que ainda atrelada aos valores estéticos vigentes na antiga metrópole. Guardo na minha pequena biblioteca uma publicação da história da pintura Argentina, que foi uma rica fonte de pesquisa. Seu conteúdo nos mostra que num pequeno panorama do período de 1830 a 1970, a grande produção artística em território Argentino, onde vemos muitas características, que foram comuns, também em outros países da América Latina.

Ao decorrer do século XIX, muitos países da América Latina proclamaram sua independência. Surgiam assim novos valores culturais e a necessidade de busca por uma identidade visual e cultural local, vamos analisar isso na produção das artes plásticas de quase todos os países da América Latina, inclusive no Brasil, aos poucos os artistas vão deixando de retratar temas de influência Espanhola, como os retratos com uma catedral gótica ou uma tourada ao fundo e passam a buscar temas que priorizem a visão de cada país como uma nação com particularidades únicas. Muitos temas valorizam a cultura dos pampas, dando um diálogo com a cultura do Rio Grande do Sul no Brasil, com gaúchos fazendo seu churrasco no campo, mas de toda a produção Argentina uma obra me chamou a atenção e em muitos pontos ela pode ser classificada como uma pintura Naïf.

A obra Iglesia de Santo Domingo, con procesión de Nuestra Señora Del Rosário (parte superior da página), pintada em 1830, por Carlos E. Pellegrini, que nasceu em Chambéry, Sabóia, 1800 e faleceu em Buenos Aires, 1875, é uma Aquarela sobre papel, que mostra um grupo de músicos tocando numa praça em frente à imagem de Nossa Senhora do Rosário e tem como pano de fundo a igreja de Santo Domingos, o quadro não tem muitas variações de cores, temos o vermelho, laranjado, marrom e branco, porém a ingenuidade no rosto dos personagens, o tema popular, que valoriza a identidade cultural da Argentina e a riqueza de detalhes da arquitetura da Igreja são pontos de dialogo com a pintura Naïf contemporânea.

Detalhe de uma pintura da escola de Cuzco - Nossa Senhora 

ORIGEM: http://www.encantarte.com.br/cusquenho-nossa-senhora-15xJM

 

A Escola de Cuzco tem algumas obras consideradas como as mais autênticas pinturas Naïfs da America Latina. A Escola de Cuzco surgiu no Peru, na cidade que leva o nome do estilo, que é o resultado da fusão da pintura ensinada pelos padres jesuítas com as cores indígenas do local. Isso se deu a partir do século XVI, com a colonização, consolidando o estilo nos séculos XVII e XVIII, influenciando ainda a pintura na Bolívia e Equador. As principais características da pintura da escola de Cuzco é a falta de preocupação com a perspectiva, os temas religiosos, a utilização de cores quentes, pelo interesse na beleza das formas, pelo requintado detalhe de caráter altamente ornamental e pela desproporção dentre as figuras centrais dos santos e anjos em relação às pessoas comuns que podiam ser representadas junto a eles.

As figuras são adornadas com vestes suntuosas e ocasionalmente são emolduradas por cortinados, colunas ou outros elementos de arquitetura, dando um aspecto mágico e monumental, a despeito das dimensões das obras, que são muitas vezes modestas. Também aparecem com frequência elementos da flora e fauna locais, também é comum encontrar a utilização de dourado e prateado como elementos ornamentais dos personagens.

A maior parte dos trabalhos conhecidos não tem autoria identificada, já que seus criadores, em grande parte índios e mestiços, vinham de uma cultura em que a criação artística e principalmente a obra religiosa, tinham um caráter coletivo. Todas essas características são as mesmas encontradas na arte Naïf contemporânea, com a única exceção de que o artista Naïf assina seu nome na obra. Ao longo do tempo a Escola de Cuzco vai receber influências de estilos de pintura da Europa, como o barroco e o rococó, mas sem nunca se distanciar da sua característica original.

A Catedral de Cuzco guarda obras consideradas como um das composições mais preciosas dessa Escola. Temos os artistas Luís de Riaño, Diego Quispe Tito, Marcos Zapata e Marcos Retira são as principais referências dessa escola, que irá entrar em decadência a partir do século XIX.

Os Ex-votos ainda podem ser quadros, pintura ou objeto a que se conferiu uma intenção votiva, ou seja, religiosa. Podem ser ainda placas com inscrições, figuras esculpidas em madeira ou cera, muitas vezes representando partes do corpo que estavam adoecidas e foram curadas. Esses objetos de expressão religiosas e artísticas são entregues em igrejas, capelas, cemitérios, cruzeiros de acontecidos, grutas religiosas, para pagar promessas obtidas por graças alcançadas. Não se sabe quando esse costume começou, mas é bem possível que seja a partir da antiguidade, já que foi um costume trazido pelos colonizadores para as Américas.

Ex-votos partes do corpo ou corpo completo

ORIGEM: Acervo particular

Uma das características da pintura de Ex-votos, é que o pintor geralmente não é profissional. Desta forma ao pintar a obra o autor não tem qualquer preocupação com a perspectiva. Entretanto a obra tem que ficar bonita para agradar o santo a quem se fez a promessa, e em muitos casos a imagem do santo Votivo é incluída na pintura. De gosto muito popular a pintura votiva possui características que encontramos na arte Naïf contemporânea. Muitos museus consideram a arte de Ex-votos como arte Naïf, expondo Pinturas Votivas num mesmo acervo de arte Naïf.

Ex-voto com imagem de Nossa Senhora de Guardalupe - (1946)

ORIGEM: http://www.lacasapark.com/la/2011/01/ex-voto-mexico/

Uma das características da pintura de Ex-votos, é que o pintor geralmente não é profissional. Desta forma ao pintar a obra o autor não tem qualquer preocupação com a perspectiva. Entretanto a obra tem que ficar bonita para agradar o santo a quem se fez a promessa, e em muitos casos a imagem do santo Votivo é incluída na pintura. De gosto muito popular a pintura votiva possui características que encontramos na arte Naïf contemporânea. Muitos museus consideram a arte de Ex-votos como arte Naïf, expondo Pinturas Votivas num mesmo acervo de arte Naïf.

Retrato do Acidente de Frida Kahlo - méxico (1925)

ORIGEM: https://www.studyblue.com/notes/note/n/arth-157-final-exam-images/deck/8761960

Frida Kahlo (1907 a 1954), artista mexicana foi uma das que mais tiveram influência da Pintura Votiva. Em muitos de seus quadros a artista deixava na parte inferior da obra um espaço para escrever algo relacionado com o tema abordado, essa característica vem da pintura de Ex-voto. Quando jovem, ainda na década de 1920, Frida sofreu um grave acidente, o bonde onde estava bateu de frente com um carro, uma barra de ferro perfurou o abdômen da artista, ela então passaria por várias cirurgias durante sua vida, que mais fizeram estragos do que curaram. Para espanto de muitos, um dia Frida encontrou um quadro votivo cujo tema era tão parecido com o acidente que ela sofreu, que foram apenas precisos alguns retoques para transformar a pintura numa representação do seu próprio acidente. Acrescentou os escritos no carro e no bonde elétrico, pôs umas sobrancelhas unidas, uma característica física da artista, na vítima e compôs uma dedicatória na parte de baixo, dando graças por ter sobrevivido.

Em muitos aspectos Frida Kahlo pode ser considerada como uma artista Naïf do México, das mais originais. Quando ela passou a pintar, com mais frequência após o acidente. O México já tinha concretizada sua pintura nacional contemporânea, com o tão famoso Muralismo Mexicano, ela então foi influenciada pela efervescência cultural vivida naquele período, levando para as obras a figura do povo mexicano, com uma pintura povoada pelos tipos mais característicos como o operário, a dona de casa, a criança, a índia amamentando um bebê, um burguês, uma criança e a própria artista fazendo parte da sociedade.

Frida Kahlo - Retrato do Dr. Leo Eloesse - (1930)

Na obra O Retrato do Dr. Leo Eloesse, de 1930, é muito semelhante ao quadro Eu mesmo, retrato paisagem de Henri Rousseau, podendo ser considerado também como uma pintura Naïf, principalmente pela falta de perspectiva. A obra de Frida é muito ampla, sua produção é única, colorida, exótica e até mesmo sensual, mas em muitos pontos cheias de dor e sangue, dor que ela sentiu durante a sua vida e que conseguiu passar para a sua pintura com a maestria alcançada por poucos artistas.

ENZO FERRARA - A Dança da Morte I e II - (2013)

A produção artística de Frida Kahlo é uma das minhas preferidas, influenciando o meu trabalho, mesmo nunca tendo indo ao México e nem visto pessoalmente uma obra dela (até o momento em que escrevi o texto), ainda assim é uma fonte de inspiração, ao qual fui beber em livros para produzir duas obras A Dança da Morte I e II, que pintei em 2013, onde duas caveiras com roupas típicas do México colocando dois bonecos para dançar, um fala do consumismo, o outro do crescimento econômico a todo custo. As obras produzidas são arte naïf contemporânea.

Outros países da América Latina também tem produção de arte Naïf significativa como, Equador, Panamá, Peru e Haiti, esse último cria uma verdadeira escola de artistas Haitianos, que vão deixar um rico legado de suas pinturas, que vamos ver mais adiante.

Um nome que poderíamos falar é a da artista Argentina Maria Inés, de produção mais contemporânea, ela produz uma pintura Naïf mais clara onde transborda a feminilidade da mulher contemporânea. Para conferir o trabalho de Maria Inés não é necessário ir até a Argentina, pois o Museu Internacional de Arte Naïf do Brasil (M.I.A.N) no Rio de Janeiro tem em seu acervo a obra As Freiras, de autoria da artista.

O mesmo museu guarda obras de outros grandes artistas da América Latina. Merece destaque a obra Fuga para o Egito, de origem peruana, pintada no século XVIII, feita por um artista anônimo, que pertence a Escola de Cuzco e que já traz as cores locais para o tema abordado. Mais adiante vamos falar das tábuas votivas ou de pintura de ex-votos, no Brasil ao qual o mesmo museu guarda em seu acervo ricas obras que vamos usar de referência.

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